Voltar aos trilhos. Esse tem sido o mantra, nos últimos tempos, da empresa de concessão de infraestrutura CCR. A expressão tem dois sentidos. O primeiro — e talvez o mais importante — é limpar sua reputação, abalada com envolvimento de alguns de seus diretores e acionistas em escândalos de corrupção. A crise resultou na celebração de acordos de leniência no âmbito da Lava Jato, devolução de R$ 750 milhões aos cofres públicos (entre multas, abatimento de pedágios e novas obras) e a definição de uma cartilha de bons modos dentro da empresa. O segundo significado é a aceleração dos negócios. A companhia definiu para este ano R$ 3 bilhões em investimentos, 50% acima dos aportes de 2019. O foco da estratégia é ampliar participação na concessão dos serviços de trens e metrô de São Paulo.

O interesse se justifica. Os números nesse segmento são superlativos: 101,6 quilômetros de trilhos administrados pelo grupo CCR no Brasil. Em São Paulo, são 12,8 quilômetros da Linha 4-Amarela e 27,8 quilômetros da Linha 5-Lilás (ambas do metrô); 33 quilômetros do metrô de Salvador e 28 quilômetros do veículo leve sobre trilho (VLT) no Rio de Janeiro. Ainda não estão nessa conta os 15,3 quilômetros da gestão da Linha 15-Prata do Monotrilho de São Paulo, vencida pela empresa em leilão no ano passado (em consórcio com a RuasInvest Participações, que tem 20% do negócio), mas que teve a licitação suspensa pela Justiça, em novembro, sob alegação de que o processo deixou de cumprir alguns ritos. Ainda não há prazo para que o imbróglio seja solucionado, mas a companhia demonstra otimismo em assumir a operação.

Juntas, as linhas da CCR transportam 2,2 milhões de passageiros ao dia, o equivalente a pouco menos que a população de Salvador. A quilometragem de trilhos sob sua gerência é bem maior do que o total que o próprio Estado administra, por meio da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que soma 69,7 quilômetros.

A locomotiva da companhia está, agora, voltada para as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), com licitação prevista para este ano, e para o Trem Intercidades, que ligará São Paulo a Campinas. “O trilho é, sim, um dos principais caminhos de expansão da CCR. A grande questão a ser enfrentada, nesse caso, é que, como há grandes investimentos nesse segmento, há sempre a necessidade de contrapartidas públicas, que são as parcerias público-privadas (PPPs)”, afirma o presidente. Isso esbarra na situação fiscal dos estados. “Em São Paulo, é mais fácil porque já há estrutura pronta, e o governo pode pedir outorga, como foi o caso das linhas 5 e 15 do metrô e deve ser o modelo das linhas 8 e 9 da CPTM.”

No caso das linhas do trem, a CCR foi uma das empresas aprovadas pelo governo estadual, ainda em 2017, para apresentar estudo do edital. Em reunião no dia 31 de janeiro, o Conselho Estadual de Desestatização apresentou uma pré-modelagem das concessões das linhas 8 e 9 à iniciativa privada. Entre os principais itens estão a definição de 30 anos para o controle privado e investimentos de cerca de R$ 2,6 bilhões na compra de novos trens. O documento foi publicado no Diário Oficial do Estado na quarta-feira 19. A expectativa é que a consulta pública tenha início em março.

O secretário estadual de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Alexandre Baldy, não só defende como considera essencial a participação da iniciativa privada na operação dos serviços de mobilidade. Dos R$ 30 bilhões que o governo paulista prevê em investimentos em linhas de metrô e trens urbanos até o fim da atual gestão — em dezembro de 2022 —, imagina-se que 60% saiam dos cofres privados. “Isso é uma realidade do Brasil. O orçamento público diminui consideravelmente, incluindo os investimentos em mobilidade urbana. É absolutamente necessária a participação do capital privado para que possa investir na expansão da mobilidade urbana, assim como temos visto nas concessões rodoviárias para transporte de cargas.”

O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, entende que a dificuldade fiscal dos estados nas décadas de 1980 e 1990 contribuiu para que o sistema de trilhos tivesse andado a ritmos mais lentos nos últimos anos. “México tem mais do que o dobro de linha ferroviária de São Paulo. O fato é que diminuíram as receitas, até mesmo para contrapartidas. O caminho mesmo é de parceria com a iniciativa privada para diminuir parte do atraso que temos sobre mobilidade”.

MONOTRILHO: A empresa venceu, no passado, a licitação para concessão da Linha 15-Prata do metrô de São Paulo, mas a Justiça suspendeu o certame por conta de possíveis erros no processo. (Crédito:Alf Ribeiro)

E se São Paulo e Salvador, com sua expansão das linhas do metrô, são considerados cases de sucesso no quesito avanço na mobilidade urbana, Rio de Janeiro é visto como um exemplo de falta de continuidade de projetos públicos. “O Rio está quebrado e o governo não paga mais nada. Temos a concessão, por meio do Estado, do sistema de barcas e não podemos parar o serviço, mesmo sem receber. É o mesmo caso do VLT carioca, concedido pela Prefeitura, e um dos poucos legados da época das Olimpíadas, em 2016”, afirma Vianna. O prejuízo mensal, segundo a CCR, é de R$ 7 milhões com o sistema de barcas. No caso do veículo leve sobre trilhos, há um grupo de trabalho para readequar o modelo do contrato à realidade financeira do poder público.

Mesmo com esses problemas, a holding CCR, que registrou faturamento de cerca de R$ 12 bilhões e margem Ebitda de R$ 6 bilhões (os números oficiais ainda não foram divulgados), obteve lucro líquido de R$ 340,2 milhões somente no terceiro trimestre de 2019.

“É absolutamente necessária a participação do capital privado na expansão da mobilidade urbana” Alexandre Baldy, secretário de transportes metropolitanos de sp.

Em um cenário em que os “patrões” da CCR são os agentes políticos, o presidente da companhia admite que constantes mudanças de governo — em todas as esferas — afetam a forma como os contratos são geridos. “A política interfere, para o bem e para o mal. Na questão vimos mudanças positivas, com projetos importantes sendo tocados pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e que não interrompeu o que estava em andamento”, diz Vianna. Sobre o início da gestão de João Doria no governo de São Paulo, é ainda mais contundente: “Mudou completamente para o lado positivo. Na gestão anterior, ficamos oito anos engatinhando e nada acontecia e ainda existia um ambiente belicoso, com muitas ações na Justiça do próprio governo. E a equipe atual acabou com esse ambiente”, afirma.

Com pensamento concentrado na próxima estação que virá para o colo da CCR, o fato é que o fantasma dos escândalos de corrupção parece, nesse momento, ser um capítulo superado para a companhia, que enfrentou queda nos valores das ações na Bolsa. Na ocasião diretor de novos negócios, Leonardo Vianna foi alçado ao posto de presidente da holding em agosto de 2018 justamente para implementar mudanças nas políticas de governança, incluindo aprimoramento e mais rigor no sistema de compliance. “Em 2018, quando esses problemas vieram à tona, os acionistas decidiram implementar um comitê independente de investigação. Além do compliance, criamos área de gestão de riscos e reestruturamos setor de auditoria”, diz o presidente. “Eu assumi justamente para fazer essas mudanças. Dos 26 negócios da companhia, somente uma não houve alteração na administração. Nós tivemos 15 executivos envolvidos nos processos, mas decidimos trocar 50. Da direção, todo mundo saiu. Hoje a empresa está blindada”, garante o dirigente. Em 2019, a Justiça reconheceu aceitou acordo entre a companhia e o Ministério Público de São Paulo para cessar ações sobre doações ilegais, em troca de devolver R$ 80 milhões ao erário.

O presidente da Abdib entende que é necesssário, sim, punição a empresas e executivos tiveram nomes envolvidos em escândalos de corrupção, mas acha que os processos precisam ser mais ágeis, principalmente quanto a acordos de leniência, para que a economia siga girando. “É importante encerrar os capítulos e seguir adiante nos investimentos para que não haja prejuízo em todo o setor”, analisa Venilton Tadini.

Olhando para o futuro, mesmo ainda consertando o passado, a CCR, planeja crescer, e aplicar os investimentos da ordem de R$ 3 bilhões — contra pouco mais de R$ 2 bilhões de 2019 — para ampliar sua fatia no mercado. “Nossos contratos têm vida útil definida, com data de início e de término. E nosso desafio é manter esse pipeline de projetos na ativa e para isso, são necessárias aquisições e participações em licitações”, diz Vianna. A CCR começou só com rodovias, e depois chegou à área de mobilidade urbana e aeroportos (tem a concessão dos aeroportos internacionais de Belo Horizonte, Quito, Juan Santamaria – na Costa Rica – e em Curaçao, nas Antilhas Holandesas). “Se a gente avalia que a oportunidade está dentro de nossa política de investimentos, a empresa participa.”

Mesmo com o aumento da presença nos trilhos, o principal filão nos negócios da CCR ainda é a concessão de rodovias. Em 2008, a empresa venceu licitação para administrar os quase 30 quilômetros do Trecho Oeste do Rodoanel Mário Covas, que integra cinco estradas e passa por sete municípios. A outorga de R$ 2 bilhões paga foi usada para a construção do Trecho Sul do Rodoanel, ligação com o Porto de Santos, por meio do Sistema Anchieta/Imigrantes.

A cereja desse bolo, no entanto, e uma das principais vitrines da CCR é a concessão da Rodovia Presidente Dutra, que foi batizada pela companhia de NovaDutra. Vianna afirma que a empresa tem total interesse na reconquista da concessão a partir de novo processo licitatório, já que o contrato, de 25 anos, vence em fevereiro de 2021. Somente entre janeiro e setembro de 2019, a receita bruta vinda das praças de pedágio da rodovia chegou a R$ 1,05 bilhão. “A gente vem estudando o projeto há pelo menos dois anos e temos muita disposição em entrar na disputa. Esse foi o primeiro contrato de concessão a ser assinado com o governo federal. Foi uma ação de pioneirismo e aprendemos muito com essa operação”, fala sobre a gestão dos 402 quilômetros da via que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.

CEREJA DO BOLO: Receita da NovaDutra com pedágio chegou a R$ 1 bilhão entre janeiro e setembro de 2019. Contrato vence em fevereiro de 2021. (Crédito:Lucas Lacaz Ruiz)

Leonardo Vianna reconhece, no entanto, que, para gerir rodovias que estão entre as mais bem avaliadas do Brasil, é necessário que o motorista também pague essa conta. “Tudo depende do modelo aplicado de concessão. No caso de São Paulo, é o de padronizar o quilômetro rodado, o que padroniza, em termos de qualidade, as pistas. Custa mais caro para o usuário, mas permite rodar em uma estrada com qualidade. Tarifa pequena gera menor investimento. E quando sai de São Paulo, o cenário das estradas é uma lástima. Não tem almoço de graça.”