Minha filosofia de investimentos é de longo prazo. Analiso empresas de maneira profunda e estabeleço preços de entrada e de saída baseados no valor intrínseco de cada companhia. Como já disse aqui, cada value investor interpreta dados e tira conclusões à sua maneira, o que faz do processo de investimentos tanto uma ciência quanto uma arte. O value investor tradicional rejeita a teoria da diversificação – prefere buscar retornos extraordinários com uma quantidade relativamente baixa de ativos que ele pensa conhecer tão bem ou melhor que a própria administração da companhia.

Sendo assim, todo value investor está exposto a um viés cognitivo perigosíssimo: o excesso de confiança. Nos estudos de finanças comportamentais, overconfidence é a tendência de considerar infalíveis nossas conclusões, especialmente em situações de risco ou quando temos de enfrentar problemas de alta complexidade.

Esse excesso de confiança, em geral, vem associado ao que se chama de viés confirmatório, o conceito de descartar as informações que divergem da nossa tese e considerar apenas aquelas que a reforçam. O viés confirmatório é o que transforma as redes sociais em máquinas de radicalização de opiniões, pois seus algoritmos buscam exatamente juntar pessoas que pensam da mesma maneira e “eliminar” pessoas que pensam diferente. Esse é um dos motivos pelos quais evito, a todo custo, participar delas.

A maneira de driblar essas armadilhas é, na minha opinião, ter sempre algum medo de estar errado. Em tempos de Covid-19, onde tudo é incerto e frases como “sem precedentes”, “nunca visto” e “primeira vez da história” deixaram de ser clichês ou exageros semânticos, é obrigação de qualquer gestor de recursos ter medo em algum grau.

Nas ultimas 12 semanas pude identificar três tipos de investidores: os que anteviram o tamanho da encrenca desde janeiro, tiveram medo e reduziram risco antes dela; os que, mesmo tendo sido pegos de surpresa, tiveram medo e reagiram rapidamente, mudando a filosofia de investimentos já nos primeiros dias da crise; e os que estão posicionados para o que vai acontecer nos próximos anos, com um pouco de medo.

A quem anteviu o que iria acontecer, meus sinceros cumprimentos. Foram poucos. Passei bastante longe e, infelizmente, apesar de estar errado, não tive medo. Deveria ter tido. Àqueles que reagiram rapidamente, também tiro o chapéu. Rolaram suas posições para ativos representativos do misery trade: ações que se destacam em tempos de Covid-19, como Amazon, Netflix, Wal-Mart, Peloton. Apesar de ter ajustado o risco do portfolio com o aumento da volatilidade, não estou nesse grupo. Não há qualquer embasamento de valor que justifique comprar essas empresas aos múltiplos que estão negociando, pré ou pós-Covid-19.

Estou no terceiro grupo: o dos investidores posicionados para o que vai acontecer nos próximos anos, com um pouco de medo. Estou de olho em grandes bancos americanos, varejistas selecionados a dedo e empresas de tecnologia e serviços de classe mundial, todos com capital e caixa de sobra, prontos para se beneficiarem de uma retomada. O reflexo do medo está no tamanho da tomada de risco: a essência das posições muda pouco, mas o tamanho da aposta é menor, ajustado à volatilidade. Assim manda a gestão prudente de riscos.

Em geral, o processo de seleção de investimentos de um value investor, minucioso como é, protege o portfólio de perdas permanentes. Eventos de grande correção de preços de mercado, como o que estamos vivendo, permitem que se invista menos capital para obter o mesmo tipo de retorno relativo. Para quem vencer o medo, entretanto, é uma oportunidade de investir mais capital e obter retornos absolutos ainda maiores no longo prazo. Na minha opinião, ainda não está na hora de enfrentar esse inimigo – este momento ainda está por chegar. Por enquanto, a gestão de riscos prevalece. Um pouco de medo não faz mal a ninguém.