Cinco dos 11 réus acusados da morte do pastor Anderson do Carmo, marido da pastora e ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, de 61 anos, vão a júri popular a partir das 9h desta terça-feira, 12, no Fórum de Niterói (Região Metropolitana do Rio). O julgamento foi dividido em três partes. Em novembro de 2021, dois filhos de Flordelis foram condenados. Agora vão a julgamento mais três filhos, um ex-PM e a mulher dele. Flordelis será julgada na terceira e última etapa, em 9 de maio, junto com outras três acusadas. Ela, que alega ser inocente, não estará presente no julgamento desta terça.

Desta vez, serão julgados o filho biológico de Flordelis Adriano dos Santos Rodrigues, os filhos adotivos André Luiz de Oliveira e Carlos Ubiraci Francisco da Silva, o ex-PM Marcos Siqueira Costa e a mulher dele, Andrea Santos Maia. O casal e Adriano não são acusados pelo homicídio em si, mas por associação criminosa e uso de documento falso, durante uma suposta tentativa de forjar o autor do crime supostamente praticada a mando da própria Flordelis. André também responde apenas por associação criminosa e uso de documento falso. Em outubro de 2018, ele trocou mensagens com Flordelis sobre planos para matar o pastor.

Costa era cabo da Polícia Militar e trabalhava no 15º Batalhão (Duque de Caxias) quando participou, em 31 de março de 2005, de uma chacina que deixou 29 pessoas mortas em Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense. Pelo crime, foi expulso da PM e condenado a 480 anos de prisão. O ex-PM cumpria pena na penitenciária Bandeira Stampa, conhecido como Bangu 9, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu (zona oeste do Rio). Ali também estavam detidos Lucas Cézar dos Santos de Souza e Flávio dos Santos Rodrigues. Filhos de Flordelis, eles foram presos então provisoriamente pela morte do pastor.

Lucas Souza foi acusado de ajudar a comprar a arma, e Flávio Rodrigues, de ter feito os disparos que mataram o pastor. Mas, supostamente orientado por Flordelis e com a ajuda do ex-PM, em setembro de 2019 Flávio convenceu Lucas a escrever uma carta em que assumia a autoria do crime.

Carta

Segundo a denúncia, Flordelis escreveu essa carta, que deveria ser copiada de próprio punho por Lucas. A pastora enviou a carta a eles por meio de Andrea, a mulher do ex-PM. Andrea levou a carta ao presídio, entregou ao marido e o ex-PM e Flávio entregaram a Lucas, que a copiou, segundo contou à Justiça.

“A carta veio pra mim na mão. Só copiei a carta. Foi minha mãe que mandou pra mim a carta, da rua”, afirmou Lucas, em depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, responsável pelas investigações. Na ocasião, Lucas disse que decidiu assumir o crime porque não aguentava mais ver Flávio “choramingando”.

Depois que Lucas copiou o texto, Andrea buscou a carta e a entregou a Adriano, filho de Flordelis, que a encaminhou à mãe. Por essas condutas, Adriano e o casal serão julgados por associação criminosa e uso de documento falso.

Filho biológico de Flordelis, Flávio foi condenado a 33 anos e dois meses de prisão por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma, uso de documento falso e associação criminosa armada. Lucas, filho adotivo, foi condenado a sete anos e meio de prisão por homicídio triplamente qualificado. A pena foi reduzida porque ele colaborou com as investigações.

O filho adotivo André Luiz de Oliveira também responde por esses crimes, mas devido a outro episódio. Em outubro de 2018 ele conversou com a mãe sobre planos para matar Anderson do Carmo. Flordelis iniciou a conversa com a seguinte mensagem, recuperada pela Polícia no celular da pastora: “André, pelo amor de Deus, vamos pôr um fim nisso. Me ajuda. Cara, estou te pedindo, te implorando. Até quando vamos ter que suportar esse traste no nosso meio? Falta pouco. Me ajuda, cara. Por amor a mim”. “Traste” foi uma suposta referência ao marido. Não há registro da resposta do filho.

Em outra conversa, em dezembro de 2018, André escreveu: “Mãe, eu estou com a senhora. Não dá pra eu fazer muita coisa, mas estou com a senhora”. Flordelis respondeu: “Vamos sofrer pra caramba, mas vai passar… Só essa ajuda que preciso, que você faça ele comer ou beber alguma coisa, um arroz fresquinho com um franguinho que não faz mal. Só isso”.

A investigação da Polícia Civil apontou que Flordelis arquitetava com os filhos o assassinato do pastor ao menos desde maio de 2018. Segundo as investigações, ela chegou a envenenar a comida que o pastor consumia. Anderson do Carmo sempre passava mal após comer, mas resistia. O assassinato finalmente se consumou, à bala, em junho de 2019.

Carlos Ubiraci Francisco da Silva, outro filho adotivo de Flordelis, é acusado de ajudar a planejar o assassinato de Anderson do Carmo e responde por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa.

Em 9 de maio, além de Flordelis, serão julgados pelo Tribunal do Júri de Niterói sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues, sua neta Rayane dos Santos Oliveira e a filha adotiva Marzy Teixeira da Silva.

Morte com mais de 30 tiros

Flordelis nasceu e foi criada na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio. Aos 14 anos perdeu o pai e um irmão em um acidente de carro. Nesta época, já acompanhava a mãe aos cultos de uma igreja evangélica da favela, em cujo coral cantava. Começou a ajudar crianças envolvidas com o tráfico de drogas, fundou uma igreja (o Ministério Flordelis) e fez sucesso como cantora. Anderson era 16 anos mais novo que ela e, ao se aproximar da família de Flordelis, primeiro namorou uma filha dela. Depois acabou se casando com a pastora.

Segundo a Polícia Civil e o MP-RJ, era ele quem comandava as carreiras política, religiosa e artística da mulher. Flordelis e alguns de seus filhos estariam discordando das decisões de Anderson, e por isso teriam tentado matá-lo envenenado, sem sucesso.

Por volta das 4h de 16 de junho de 2019, o casal chegou de um passeio. Flordelis entrou em casa, no bairro de Pendotiba. Anderson foi abordado por criminosos e levou mais de 30 tiros. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Niterói D’Or, no bairro de Icaraí, mas morreu. O pastor tinha 42 anos.

Segundo o MP-RJ, Flordelis foi responsável por arquitetar o homicídio, arregimentar e convencer o executor direto e demais acusados a participarem do crime e simular um latrocínio (roubo seguido de morte). A deputada também financiou a compra da arma e avisou da chegada da vítima no local em que foi executada, afirma a denúncia.