O advogado Roberto Oliveira e o dentista Paulo Trajano estão juntos há sete anos e meio; há quatro, vivem juntos em Ituverava, no interior de São Paulo. A ideia inicial dos dois era se casar somente em 2020, mas, quando o cenário eleitoral de 2018 passou a desenhar a vitória do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, eles se sentiram forçados a antecipar os planos.

O casamento entre Trajano e Oliveira foi um dos 9.520 registrados no ano passado entre pessoas do mesmo sexo. Em termos absolutos, a quantidade não é muito alta, mas representa um crescimento significativo de 61,7% em apenas um ano – em 2017, foram 5.887. Os números fazem parte das Estatísticas de Registro Civil 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgadas na manhã desta quarta-feira, 4.

Na análise de especialistas, o aumento considerável pode ter acontecido porque, no ano passado, muitos casais gays anteciparam o casamento, pois temiam alguma medida contrária a seus direitos civis por causa da eleição de Bolsonaro.

Segundo o levantamento, a tendência de aumento se repetiu em todas as regiões do País. No Nordeste, o porcentual chegou a 85%.

“Em 2018, houve um aumento muito grande em relação ao ano anterior”, afirmou a gerente da pesquisa, Klívia Brayner de Oliveira, analista do IBGE. “A gente ficou até meio assustado, pediu para conferir o número, mas foi isso mesmo, um aumento bem expressivo em termos relativos.”

De acordo com a gerente da pesquisa, o temor de um retrocesso nos direitos civis dos homossexuais pode explicar o aumento. “Sempre que tem uma lei nova, um novo evento, isso se reflete no ano seguinte nas estatísticas”, explicou.

As mulheres gays puxaram a tendência de alta nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, com um aumento de 64,2%. Entre os homens homossexuais, o aumento foi um pouco menor, de 58,3%. A idade média nesses casos foi de 34 anos para os homens e 33 anos para as mulheres.

Festa às pressas

Com temor após a eleição de Bolsonaro, Oliveira e Trajano decidiram antecipar a cerimônia de casamento. “O que permite a conversão das uniões estáveis homoafetivas em casamentos é apenas uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), sem força de lei. O presidente poderia derrubá-la”, explicou Oliveira. “Por isso, no início de dezembro de 2018, procuramos um cartório em Belo Horizonte para formalizar nosso casamento. O direito adquirido, ninguém tira. Fizemos as proclamas e, depois do prazo (de 40 dias, em que alguém poderia impugnar a união), estávamos casados. Foi fácil e rápido”, contou.

Com a pressa, a festa de casamento que havia sido idealizada por tanto tempo teve de ser substituída por algo mais simples, um jantar para 50 pessoas. “Não foi do jeito que a gente queria. Isso acabou com toda uma programação que a gente tinha. Ele (Bolsonaro) abortou o sonho de muita gente”, lamentou o advogado.

Menos casamentos no geral

De uma maneira geral, no entanto, a tendência é um pouco diferente. As pessoas estão casando menos e adiando cada vez mais a data do enlace. No ano passado, foram registrados, no Brasil, 1.053.467 casamentos, o que representa uma redução de 1,6% em relação ao ano anterior.

A idade média dos cônjuges no momento da união é de 30 anos para os homens e 28 para as mulheres. A tendência se repete de forma homogênea em todas as regiões do Brasil, com as idades médias variando ligeiramente de 30 a 32 anos entre os homens e de 27 a 29 entre as mulheres.

“Esses números corroboram a questão da transição demográfica”, sustentou Klívia. “A primeira transição demográfica ocorreu lá atrás, com a queda da mortalidade infantil e, depois, do número de filhos; agora, a gente vive uma outra transição, em que as pessoas estão adiando a decisão de casar e o momento de ter filhos, uma tendência já concretizada na Europa.”

Mães mais velhas

A idade das mães no momento do nascimento dos filhos também é cada vez mais avançada. Na análise desses registros, entre 1998 e 2018, é possível verificar uma progressiva mudança na estrutura dos nascimentos no País. Em 1998, os nascimentos eram mais registrados entre mães iminentemente jovens. Mais de 30% estavam entre os 20 e os 24 anos.

Em 2008, nota-se uma diminuição relativa dos nascimentos cujas mães eram dessa faixa etária e um aumento daqueles cujas mães tinham entre 25 e 29 anos (25,2%). Em 2018, os dados evidenciam o incremento do porcentual de mães que tinham entre 30 e 39 anos e a redução nas outras faixas.

Divórcio

Os casamentos estão durando cada vez menos. Em 2008, a média era de 17 anos. Em 2018, passou para 14 anos. E o porcentual de divórcios aumentou ligeiramente de 2,5% em 2017 para 2,6% no ano seguinte. “Esses números refletem a facilidade da lei do divórcio (que desde 2010 aboliu o tempo de espera entre separação e divórcio) e também uma mudança na sociedade”, ponderou a gerente da pesquisa. “Os filhos não são mais um impeditivo para o divórcio.”

Outra mudança registrada foi na questão da guarda dos filhos. Quem costuma ficar com as crianças ainda é a mulher (em 65,4% dos casos), mas vem aumentando a guarda compartilhada. Era de 7,5% em 2014, ano em que a modalidade passou a ser priorizada por lei, e passou para 24,4% em 2018.

“A lei foi crucial para essa mudança, acompanhando a mudança de comportamento”, disse Klívia. “O porcentual de mulheres com a guarda ainda é maior, mas já foi muito maior.”

Em 2018, foram registrados 2.983.567 nascimentos no País. Na comparação com o ano anterior, observou-se, no Brasil, um aumento de aproximadamente 1% no número de nascimentos. O número de mortes aumentou 21,2% nos últimos dez anos, passando de 1.055.672 em 2008 para 1.279.948 em 2018.