Nas últimas décadas, as questões da sustentabilidade e da responsabilidade social mudaram radicalmente diversos setores da economia. Empresas foram obrigadas a adequar seus processos produtivos e a própria sociedade passou a cobrar uma postura mais consciente das empresas. O assunto passou a ter um impacto direto no balanço das companhias: ou entram na linha ou perdem clientes. E depois de indústrias como a de alimentação e de bebida entrarem na mira da sociedade, o alvo da vez passou a ser, quem diria, os desenhos animados. Motivo: a violência. 

 

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Koch, diretor-geral: “Sabemos o quanto influenciamos as crianças”

 

Estudos provam que a violência apresentada de forma banal em desenhos animados acaba influenciando o comportamento das crianças. Aí, muitos proíbem que as crianças fiquem em frente à tevê. Diante disso, o canal infantil Cartoon Network iniciou um processo de reposicionamento. 

 

“Nós sabemos qual é a nossa responsabilidade e o quanto influenciamos as crianças”, diz à DINHEIRO Barry Koch, vice-presidente sênior e diretor-geral do Cartoon Network na América Latina. O executivo diz que uma mudança na postura da empresa está a caminho. 

 

O primeiro passo já foi dado: uma parceria que acaba de ser firmada com a Unicef intitulada Movimento Cartoon. Durante três anos, o canal abrirá espaço em seus comerciais para que a organização veicule campanhas contra bullying (violência nas escolas), a favor da preservação do ambiente, do consumo consciente e da valorização de atividades físicas. 

 

Só em espaço na grade, o Cartoon vai ceder o equivalente a US$ 7 milhões. Os temas foram escolhidos com base em pesquisas conduzidas pelo canal e pela Unicef junto a crianças e pais. 

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Mais do que uma boa ação, isso sinaliza uma preocupação com o futuro do negócio. Por isso, a emissora iniciou uma mudança na programação. A movimentação começou de forma gradual. Desenhos clássicos e considerados mais inocentes, como Tom & Jerry, ganharam mais espaço e os considerados mais agressivos, como o Dragon Ball Z, deixaram a grade.

 

Mas será difícil para o canal abandonar desenhos mais violentos de uma hora para a outra. Isso porque o sucesso de alguns desses personagens, como o imbatível Ben 10, se transforma em lucro certo para a companhia por meio dos royalties que ela cobra no licenciamento de produtos que exploram a imagem deles. 

 

“O Brasil é o líder absoluto nesse segmento no mundo”, diz Koch. Para se ter uma ideia, a área de licenciamento do Cartoon Network no País movimenta R$ 800 milhões por ano em vendas no varejo. Apesar dos números vigorosos, a empresa sabe que precisa se mexer. Há cerca de três anos, o canal passou a ter a sua liderança ameaçada pelos concorrentes Disney Channel e Nickelodeon. 

 

Ao apresentar uma grade que coincide com o que os pais buscam para os filhos, o Cartoon pode se manter na liderança.  “O acesso à informação tornou as pessoas mais críticas. Esse novo projeto em parceria com uma instituição respeitada como a Unicef faz o canal parecer mais simpático”, afirma Daniela Khauaja, coordenadora de pós-graduação em marketing da ESPM. 

 

Ela lembra que vários projetos de lei surgiram nos últimos anos não só bombardeando as emissoras sobre conteúdo voltado ao público infantil, mas também com relação à pesada carga de publicidade dirigida a ele. 

 

Há cerca de um ano, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) conseguiu convencer seus associados, entre eles Nestlé, Unilever e Sadia, a assinar um acordo para deixar de fazer publicidade direta para crianças e pré-adolescentes. A ideia de inserir campanhas educativas mas manter desenhos como Pokémon e Ben 10 no ar pode ser a opção imediata para amenizar as críticas sem prejudicar as receitas. Mas, certamente, não será definitiva.