Protocolos de prioridade de pacientes na fila da UTI são vistos com ressalvas por especialistas e, na linha de frente, há queixas de falta de orientação. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com pós-doutorado em Ética e Saúde, o sanitarista Flávio César de Sá ressalta que esse tipo de decisão deve ser tomada só em momentos de excepcionalidade. “O melhor a se fazer é não ter de decidir, ter vaga para todos.”

Ele aponta que ter fila única para UTI (públicas e privadas) ajudaria a evitar cenário tão grave. “A escolha entre um paciente ou outro na UTI em hospital público, sabendo que, do outro lado da rua, tem vaga em hospital privado é muito cruel com a sociedade.”

Mas ele pondera que instruções podem atenuar conflitos e chancelar medidas adotadas pelos profissionais de saúde. “Se não tem nenhum tipo de recomendação, acaba tendo de resolver por questões circunstanciais. É difícil para a equipe médica tomar a decisão caso a caso, sem orientação.”

Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Rubens Viana, a coordenação dos processos é precária. “Não tem nenhum critério estabelecido por gestão ou comitê de ética. O cenário no Amazonas é de confusão, não há coordenação central. O ministro da Saúde esteve aqui e disse que tem dinheiro, mas falta gestão”, afirma o cirurgião, afastado desde abril para se recuperar da covid. “Quase sempre existe superlotação e ninguém sabe o que fazer”, acrescenta.

“O médico vai acomodando do jeito que dá, em cadeira, no chão, é cenário de Medicina de guerra. Não tem muita escolha. Atende conforme a demanda. Quando chega em hospital que não tem vaga, espera na ambulância até aparecer”, diz Viana.

Procurado pela reportagem, o governo do Amazonas não se manifestou até 19h30 da terça-feira.

Sá, da Unicamp, comenta ainda que a decisão não é entre a vida e a morte, mas de quem receberá o melhor tratamento. “Isso não alivia completamente a dificuldade da decisão, nem o sofrimento em ter de tomar uma decisão que certamente vai fazer alguém não ser tão bem cuidado como deveria.”

Ele comenta que as recomendações brasileiras estão na linha tomada também na Itália e nos Estados Unidos. “Quanto mais independente, melhor é a avaliação. Se já está acamado, cai bastante. Se é dependente para comer ou tomar banho, cai mais ainda”, diz.

Além disso, trabalhadores da saúde costumam ter prioridade por terem uma função essencial em um momento de pandemia.

‘Burocrático’

Já Dário Pasche, enfermeiro e professor de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é contrário a protocolos que possam excluir pacientes que necessitam de UTI. Ele teme que isso banalize uma situação “inaceitável” que poderia ser resolvida com medidas do poder público, como a adoção da fila única e uma coordenação nacional da rede pública. “Há um acordo civilizatório que a vida de ninguém é mais importante”, afirma.

“É muito burocrático e frio, uma resposta inadequada para um sistema como o SUS. Não posso aceitar como correta uma medida que deve ser absolutamente exceção”, diz. Pasche também destaca impactos desse tipo de escolha. “Para um médico, um enfermeiro, é uma experiência mortificadora. Ninguém toma uma decisão dessas sem se afetar profundamente.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.