Em 1987, em um discurso histórico, a então primeira ministra do Reino Unido, Margareth Thatcher, ao explicar o aumento dos lucros dos bancos no país, afirmou que os socialistas aceitam que os pobres sejam mais pobres, desde que os ricos fiquem menos ricos. As palavras, que sustentam defensores do liberalismo até hoje, mostram que em muitos países o fortalecimento da economia acontece se a base e o topo da pirâmide social crescerem. No Brasil a ascensão da classe média de 2002 a 2013 tinha essa premissa. Se por um lado os bancos e empresários nunca lucraram tanto, por outro o salário mínimo foi de US$ 108 para US$ 270 e 36 milhões de pessoas saíram da miséria. Mas, quando a crise chegou, o cinto apertou mais para os menos abastados e após a reforma trabalhista, em 2017, o resultado foi que 40% dos trabalhadores intermitentes receberam menos de um salário mínimo por mês, 38 milhões de brasileiros estão subempregados e mais de 1 milhão de mães aguardam a liberação do Bolsa Família.

Na prática, o enfraquecimento da base da pirâmide econômica afeta a capacidade de produzir riquezas em um país, colocando o consumo no nível da necessidade e tirando a espinha dorsal do capitalismo, que é gerar riqueza. Segundo pesquisa do Dieese, o trabalho intermitente – que permite ao contratante solicitar os empregados em horários ou dias específicos – empobreceu a mão de obra. “Muitos contratos ficaram engavetados, gerando pouco ou nenhum trabalho e renda”, diz diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Jr. Além disso, para cada três meses de trabalho intermitente dois são à espera de serviço. “Só 17% dos vínculos geraram remunerações equivalentes a dois salários mínimos ou mais (R$ 1.908), naquele mês.”

Outro problema do mercado de trabalho é o subemprego. Hoje 38 milhões de brasileiros gostariam, ou poderiam, trabalhar mais se houvesse oportunidade. “Mesmo depois de passada a recessão técnica entre 2015 e 2016, indicadores de emprego em renda seguem ruins, evidenciando a dificuldade dos brasileiros em recompor a renda”, diz Sérgio Castanhari, doutor em política econômica e professor da Universidade de Campinas (Unicamp). Na avaliação do acadêmico, o ciclo de avanço visto entre 2002 e 2013 não se repetirá pois o atual governo freou a transferência de renda “Antes havia forte estímulo ao crédito e programas de transferência de renda, dando à população mais pobre a oportunidade de comprar produtos de maior valor agregado”, diz ele, que classifica programas habitacionais e de financiamento estudantis como importantes. “Nunca um pedreiro recebeu tanto, mas nunca uma construtora vendeu tanto também.”

Mesmo depois de a recessão técnica acabar, o mar seguiu revolto para os mais pobres. A título de comparação, a renda domiciliar per capita dos 5% mais pobres caiu 3,8% na passagem de 2017 para 2018. Ao mesmo tempo, a renda da fatia mais rica (1% da população) subiu 8,2%. “Continuam no mercado de trabalho aqueles que ganham mais”, afirmou Maria Lucia Vieira, gerente da Pnad. Outro fator ressaltado por Castanhari, da Unicamp, é a fila de espera de 1 milhão de famílias pelo Bolsa Família. Ainda que o benefício esteja passando por uma série de atualizações, como sinalizou o ministério da Economia, essa renda é a única medida atual que ataca, diretamente, a desigualdade social. “Uma pesquisa da ONU [Organização das Nações Unidas] mostra que se dermos US$ 100 a uma pessoa rica, US$ 75 vão para o sistema financeiro. Quando a pessoa é pobre, US$ 95 vão para economia real.”

Com o emprego melhorando (ainda lentamente), outro fenômeno aconteceu: a massa de renda de todas as fontes cresceu de R$ 264,9 bilhões em 2017 para R$ 277,7 bilhões em 2018. Mas como a concentração de renda subiu, os 10% mais pobres somam 0,8% da massa de rendimentos, enquanto os 10% mais ricos têm 43,1% desse bolo. Assim, a fatia de 1% mais bem remunerada recebeu 33 vezes mais que os piores remunerados, na maior diferença salarial da série histórica – contrariando Margaret Thatcher: aqui, o rico ficou mais rico e o pobre mais pobre…