O engenheiro Rudolf Probst tem uma excelente explicação para o sucesso da BMW, que nos primeiros nove meses deste ano vendeu 700 mil carros e cresceu 19%, enquanto o resto da indústria encolhia. ?Nós atuamos apenas nos segmentos premium do mercado, que nunca deixam de crescer?, diz o diretor de produtos da fábrica alemã, enquanto acaricia o volante de couro preto do novo BMW 730d, o mais importante lançamento da marca no Salão do Automóvel de Paris. Realizado na semana passada, o salão é um dos três maiores eventos mundiais da indústria automobilística. Juntamente com Detroit e Frankfurt, aponta os caminhos anuais do setor. Apresentado nessa solene ocasião, o novo sedã da BMW custa cerca de US$ 82 mil e faz parte de uma verdadeira horda de automóveis de luxo que disputa a porção mais elevada do mercado automobilístico global. Ali se apinham, numa orgia de couro, madeira e eletrônica de bordo, os novos modelos Mercedes, Jaguar, Volvo, Lancia, Volks, Renault? ?Todo mundo está correndo para o nosso mercado?, ironiza Bob Dover, o principal executivo da Jaguar. Na quarta-feira passada, a subsidiária britânica da Ford apresentou em Paris a sétima geração do XJ, cujo primeiro modelo foi lançado em setembro de 1968. Dover espera que a combinação de desenho clássico e alta tecnologia desse novo XJ puxe ainda mais as vendas da marca, que, no ano passado, pela primeira vez, ultrapassou a barreira anual de 100 mil unidades.

Visível e dominante, a corrida pelo consumidor de luxo não é a
única tendência da indústria automobilística materializada em
Paris. Tão importante como ela, e concomitante a ela, é a convergência de todas as fábricas em torno de algumas poucas idéias que deram espetacularmente certo. Na disputa pelo mercado de luxo, por exemplo, há uma monótona repetição de desenhos e características técnicas entre os grandes sedãs. Todos são imensos, todos têm dispositivos de segurança ativa (suspensão inteligente, faróis que se movem nas curvas, cintos que se apertam na iminência de uma batida) e todos compartilham aquele desenho curvilíneo e alongado que se tornou uma espécie de padrão neste início de século. Até a sueca Volvo, que costumava fazer carros quadrados e carismáticos, foi enquadrada. Seu sedã esportivo S60R tem em comum com os Volvos anteriores apenas a grade dianteira. O restante é novo, bonito, mas se parece com todos os demais concorrentes. Carece de identidade.

Volks e Porsche. O caso mais claro de convergência da indústria, porém, é o dos SUV, sigla inglesa pela qual são conhecidos os veículos esportivos utilitários. Esse conceito foi criado pela Jeep americana em 1983 com o Cherokee AM e converteu-se nos últimos anos no segmento de mercado que mais cresce no mundo. O último bastião de resistência, a Europa, caiu com o lançamento do Mercedes ML. Esse off-road macio com acabamento de luxo e potência de caminhão caiu no gosto dos europeus. Volvo e a BMW aderiram e seus SUV são um enorme sucesso. Na semana passada, duas marcas novas e poderosas juntaram-se a esse grupo em expansão: Volks e, surpreendentemente, Porsche. O Touareg da Volks, com motor de 313 cavalos e interior de carro de luxo italiano, vai de zero a 100 quilômetros em sete segundos e tem suspensão a ar que faz dele um dos mais rápidos e suaves na sua categoria. ?Chegamos tarde, mas fizemos uma tremenda entrada nesse mercado?, gaba-se o engenheiro Hantmuth Hoffmann. O Touareg custa cerca de US$ 69 mil e teria sido o SUV mais comentado em Paris não fosse o lançamento do Cayenne, da Porsche. Embora não tenha o poder de fogo mundial da Volks, o fabricante alemão de carros esportivos é uma verdadeira lenda entre os consumidores de alto luxo ? alvo imediato do Cayenne, cujo preço varia entre US$ 60 mil e US$ 90 mil. ?Queríamos diversificar e buscamos um segmento promissor, que ao mesmo tempo fosse próximo ao nosso?, afirma Stephan Marshall, da Porsche. Em um mercado em que todos os fabricantes menores se juntaram às grandes marcas internacionais, a Porsche continua independente e bem. No ano passado vendeu 55 mil carros. O fato de que tenha enveredado pela trilha dos off-road, porém, sugere que seus modelos esportivos de altíssima performance poderiam estar rumando para um beco sem saída. A associação da Maserati à Ferrari e a incorporação da Ferrari ao grupo Fiat indicam que os custos de criação e fabricação no Everest dos carros esportivos podem ser demais para uma companhia pequena. ?Nós passamos por uma crise terrível e agora estamos voltando, com uma gama maior de produtos?, diz Andrea Soriani, da Maserati.

Exceções. Quem não quer aderir às tendências globais, como as dos sedãs de alto luxo e dos SUV, tem duas opções: concentrar-se nos nichos ou correr um enorme risco. A segunda opção foi tomada pela Renault. Seus modelos mais caros têm um desenho tão peculiar que fica difícil enquadrá-los em qualquer das categorias da moda. O Avantime, por exemplo, é um dois volumes com toques retrô que fazem lembrar o Rolls-Royce da década de 30. Suas linhas, assim como as do novo Megane, que responde por um terço das vendas da marca, não se parecem com nada existente na praça. ?Isso é muito bom?, afirma Pierre-Alain de Smedt, vice-presidente da companhia. ?Somos uma companhia com tradição de inovação.? Mas não há o risco de que inovação estética tropece no gosto globalizado fora da França? ?Nossas pesquisas sugerem o contrário, ao menos na Europa?, diz o executivo. O fato é que o mercado europeu encolheu 5% este ano, vendeu 14 milhões de unidades, e pode estagnar em 2003. Em um cenário desse tipo, morno, criatividade e ousadia podem ser a chave do sucesso. Ou restam os nichos. Na quarta-feira, Piero Ferrari e Enzo Ferrari Junior, filho e neto do criador da mais famosa marca esportiva do mundo, estavam no Salão de Paris para o lançamento do Enzo, o novo modelo da fábrica italiana e o primeiro a estampar o nome do fundador. No tumulto quase calabrês do lançamento, que teve até mesmo um discurso do legendário designer Sergio Pinifarina, uma informação passou quase despercebida: serão fabricadas apenas 400 unidades do Enzo. E todas já estão antecipadamente vendidas. Mas chamar a Ferrari de carro de nicho é quase um sacrilégio.