Não se confunda. O Walmart, que virou Big, vai ser Carrefour. Na linha do tempo do varejo brasileiro, poucos períodos se mostram tão movimentados quando os últimos anos. Na quarta-feira (24), mais um importante capítulo dessa história começou a ser escrito. O grupo Carrefour Brasil anunciou a compra do grupo Big, quarto maior player do mercado (atrás de Carrefour, Assaí e Grupo Pão de Açúcar), por R$ 7,5 bilhões. Com a transação, o conglomerado passa a responder por um faturamento de R$ 100 bilhões, somando os R$ 74,9 bilhões do Carrefour, no ano passado, com R$ 24,9 bilhões do Big. A perspectiva é de que a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deva ocorrer no ano que vem.

Ao todo, o novo grupo terá 876 lojas, sendo 387 das marcas do grupo Big (Big, Bom Preço, Maxxi e Sam’s Club) e 489 do Carrefour. As lojas do Maxxi Atacado e algumas do Big serão transformadas na bandeira Atacadão. A maior parte das lojas Big passará a ser Carrefour. O novo grupo passará a ter 137 mil funcionários (96 mil do Carrefour e 41 mil do Big). Com a negociação, a companhia francesa incorpora um segmento inédito em sua carteira, que é o de clube de compras, com a chegada do Sam’s Club, marca que será mantida. E acirra a concorrência com o compatriota Casino, controlador do Grupo Pão de Açúcar.

Nos próximos dez dias, a empresa adiantará R$ 900 milhões aos donos da marca Big: o fundo Advent International, com 81%, e o Walmart, com 19%. Do total negociado, serão pagos em dinheiro R$ 5,25 bilhões, na conclusão do negócio, e o restante em ações. Também há possibilidade de pagamento adicional com base na valorização da ação entre a assinatura e seis meses após o fechamento. Em sinergias, a empresa espera um Ebitda de R$ 1,7 bilhão em três anos.

Em conferência com investidores, o CEO do Carrefour Brasil, Noel Prioux, celebrou a conclusão da negociação com o até então grupo concorrente. “Esse é um grande salto para a companhia e estou satisfeito com a transação, em um momento tão desafiador para todos nós. A compra do Big foi uma oportunidade única de expandir nosso ecossistema.”

R$ 7,5 bilhões é o valor da transação 

R$ 100 bilhões é o faturamento anual estimado do novo grupo

Para o CFO da companhia e diretor de relações com investidores, Sebastien Durchon, o anúncio da aquisição em um momento em que boa parte dos estados brasileiros adota sistemas mais rígidos de restrição de circulação de pessoas por causa do aumento de casos de Covid-19 significa uma aposta na retomada econômica. “Isso é um voto de confiança no futuro do País. A gente tem uma leitura de longo prazo no potencial do nosso negócio no Brasil. Esse é o recado de nossa aquisição”, disse à DINHEIRO. O plano é ampliar o número de lojas, principalmente no Sam’s, que deve passar dos atuais 35 para perto de 90. “Para nós, é um modelo de negócios diferente, que não se encaixa nem no atacado nem no varejo. Como é um clube, tem uma relação diferente com o cliente”, disse o CFO.

Presidente do Conselho de Administração da Península Participações e com participação acionária de 7,2% no Carrefour Brasil, o empresário Abilio Diniz disse que a movimentação da rede, ainda que em um período desafiador, foi muito significativa. “Em mais de seis décadas atuando no varejo, posso dizer que este é um dos movimentos mais importantes na história do mercado brasileiro”, afirmou. “Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história e contribuir, como conselheiro e acionista relevante, para o crescimento do Carrefour no Brasil.”

Para a analista de varejo da XP Inc., Danniela Eiger, o negócio vai alavancar ainda mais o crescimento do grupo francês. “A gente viu como algo muito positivo. Em termos de estratégia, traz complementariedade de portfólio, tanto regionalmente quanto do modelo de clube premium”, disse. “Fez todo sentido e consolida o Carrefour como líder do mercado, com a compra do quarto colocado.”

Claudio Belli

“É um voto de confiança no futuro do País e no potencial do nosso negócio no Brasil” Sebastien Durchon, CFO DO grupo Carrefour.

O ponto-chave da aprovação do Cade pode passar por uma análise detalhada levando em conta a possibilidade de concentração de mercado, principalmente na região Sudeste, onde está a maior parte das lojas dos dois grupos. “Temos de olhar cidade por cidade e os formatos. Vamos entender onde estão lojas do Carrefour e lojas do Big. E o Atacadão não vai competir com as unidades do Sam’s”, afirmou Durchon. “Vamos cooperar 100% com o Cade e explicar com bons argumentos. Temos confiança sobre a possibilidade de aprovação.”Na avaliação do CEO e fundador da consultoria HiPartners Capital & Work, Walter Sabini Jr, a aquisição amplia o poder do grupo Carrefour no segmento de grocery (mercado), além de aguçar a concorrência com o GPA. “Com o Big, eles serão líderes absolutos. Apesar disso, o negócio não deve gerar grande impacto ou mudança para outros segmentos do varejo brasileiro.”

RECUPERAÇÃO Além de ganhar mais musculatura no varejo supermercadista do País, a compra do Big deve ajudar o Carrefour a recuperar sua reputação entre os consumidores. Quatro meses após a morte de João Alberto Freitas no interior da loja da rede em Porto Alegre e que causou prejuízo na imagem na marca, Durchon disse que as práticas de combate ao racismo, após o episódio trágico em novembro, e a ampliação das ações de ESG implementadas no Carrefour serão incorporadas às novas lojas da rede. “Todos os compromissos que assumimos, tanto na luta contra o racismo quanto práticas ambientais, vamos estender ao grupo Big”, afirmou o executivo. “Mudamos muitas práticas, melhoramos a segurança e partimos para um movimento que ninguém tinha feito no Brasil. A gente reforçou o compromisso, com essa tragédia, de ser uma empresa muito transparente”, disse. Que seja.