O venezuelano Ilich Ramírez Sánchez se tornou uma figura emblemática da luta armada pró-palestina com o nome de guerra Carlos, mas meio século depois, sua aura parece se apagar em um mundo que mudou de rumo.

“Estou orgulhoso da minha trajetória de revolucionário”, disse nesta quinta-feira (23) pouco antes de um tribunal condená-lo à prisão perpétua por um atentado cometido em Paris em 1974, sua terceira pena máxima na França por ações cometidas dos anos 70 e 80.

Ele nasceu na Venezuela em 12 de outubro de 1949 em uma família politizada. Seu pai era um advogado “comunista” e sua mãe, “social-democrata” e “católica, mas não fanática”, explicou durante o processo.

Nomearam Ilich o filho mais velho, que em 1964 se uniu à juventude comunista, e seus irmãos, Lenin e Vladimir, em homenagem ao político comunista que liderou uma revolução na Rússia que acabou em 1917 com o império czarista.

Seu destino parecia estar escrito, mas seus pais decidiram que ele fosse à Europa “para afastá-lo dos movimentos revolucionários” venezuelanos, segundo o jornalista húngaro Laszlo Liszkai, autor de um livro sobre Carlos.

Após estudar em Londres, e seguir para México, Kingston, Bogotá, Miami e fixar residência em Caracas, acabou em 1968 na universidade Patrice Lumumba de Moscou, onde conheceu seus primeiros amigos palestinos.

– “Ao menos 83” mortos –

De sua temporada na antiga União Soviética, Carlos lembrou no julgamento que “os professores russos [o] respeitavam muitíssimo” – “eu era importante na universidade” – e que até mesmo os serviços secretos se interessaram por ele.

Após ser expulso da universidade, dois anos depois, passou por um campo de treinamento na Jordânia e no começo dos anos 1970 uniu-se à Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), chefiada por George Habache.

“Eu era muito respeitado” na Jordânia. No entanto, a FPLP considerou que era “mais útil na Europa”, acrescentou o homem, que se vangloriou de ter matado ao longo da vida “pelo menos 83 pessoas, mas nunca inocentes”.

Dentro da FPLP, adotou o nome de guerra Carlos, a quem o jornal britânico The Guardian adicionou a alcunha “O Chacal”. Sua imagem deu volta ao mundo por chefiar operações armadas espetaculares na Europa.

Na França, já tinha sido condenado pelo atentado em 1974 na galeria comercial Drugstore Publicis, por um triplo homicídio em 1975 e por quatro atentados a bomba em 1982 e 1983. No total, 16 pessoas morreram e 226 ficaram feridas.

Em 1975, liderou o comando que dirigiu a ação que fez reféns 11 ministros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep), em Viena, que deixou 3 mortos e que, segundo ele, teria sido encomendada pelo líder líbio Muammar Kadhafi.

– Esperado “respeito” –

Sua vida também o levou a visitar outros países, como Síria e Argélia. No entanto, tudo parou quando foi detido no Sudão em 1994 em uma operação de agentes da Inteligência francesa, que ele chama até hoje de “sequestro”.

Desde então, passou a vida atrás das grades na França, onde viveu os atentados de 11 de setembro de 2001, a popularização dos celulares e da internet. Dez de seus 27 anos na prisão foram em isolamento.

As testemunhas que compareceram no julgamento o descreveram como alguém que se apresenta como um “preso político” e que é “contestatário”, “egocêntrico”, “sedutor”, “manipulador” e com uma forte ideia de “superioridade”.

No entanto, um relatório da prisão na qual cumpre pena na França apontou que seu “capital de simpatia diminui com os anos” e que “não tem o respeito que espera” obter, sobretudo dos mais jovens.

Ramírez Sánchez, criado como ateu, mas convertido ao islã nos anos 70, tem quatro filhos, embora só mantenha contato com a mais velha, e teve ao longo da vida várias esposas, entre elas sua advogada, Isabelle Coutant-Peyre.

Se não recorrer na última sentença, como recomenda sua advogada, Carlos poderia realizar o sonho de terminar de cumprir sua pena na Venezuela, mas primeiro, como advertiu Coutant-Peyre, Caracas terá que pedi-lo a Paris.