Promover um choque de gestão e enxugar a máquina pública são bandeiras centrais do governador João Doria (PSDB), de São Paulo, desde os palanques de sua campanha eleitoral, em 2018. Uma das soluções para cumprir as promessas é levar adiante as privatizações e 30 projetos de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP). Setores como saúde, segurança pública, educação, mobilidade, logística e parques fazem parte do plano. Outros 39 projetos já assinados passarão por um processo de otimização. “A expectativa é de grande geração de emprego”, afirma o vice-governador, Rodrigo Garcia. São esperados investimentos da ordem de mais de R$ 40 bilhões que, segundo ele, “certamente farão a roda da economia paulista girar”.

A diretriz do governo não é colocar dinheiro em caixa, mas usar os projetos para gerar mais investimento, inovação tecnológica e redução de tarifas, com melhores serviços à população. Apenas com as desestatizações, a expectativa é gerar R$ 23 bilhões. Dentre as opções do governo está o sistema prisional. Com um orçamento de R$ 4,5 bilhões para a manutenção de 171 unidades e mais de 225 mil presos, o sistema está longe do ideal. Segundo o Infopen, relatório do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o estado tem uma taxa de aprisionamento 52% superior à média do Brasil — e um déficit de 108 mil vagas. Para amenizar a superlotação, 12 novas unidades estão em construção. A gestão Doria quer privatizar quatro delas e já autorizou a contratação de uma consultoria. Um grupo de trabalho foi criado com participação da Procuradoria do Estado.

REABILITAÇÃO Garcia afirma que a construção de novos complexos permitirá criar mais de 10 mil vagas. Para o vice-governador, os benefícios das privatizações são maior segurança, com novas tecnologias e redução de custos. “Buscamos oferecer um serviço prisional mais humanizado, que de fato permita a reinserção desse indivíduo na sociedade, por meio da reabilitação. Isso envolve capacitação e trabalho”.

A privatização do sistema carcerário é um tema controverso. Para os críticos do modelo, há o risco de encarceramento em massa visando o lucro milionário do negócio. Para o coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do estado de São Paulo, Thiago de Luna Cury, é fundamental haver transparência. “O argumento central da privatização é economizar, mas a gente não tem o valor exato de quanto custa manter alguém preso”, afirma. “Falta um estudo confiável para que a gente possa dizer se vai ser melhor ou pior”.

O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e a privatização de presídios não é novidade no país. Em 2013 foi inaugurado o Complexo Penitenciário Público Privado de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. A unidade é considerada limpa, organizada, monitorada por 264 câmeras de alta definição e possui portões que são abertos por torres de controle. Com 2.164 presos, o complexo é administrado pela GPA e conta com três unidades. Cada uma possui uma escola com oito salas de aula, biblioteca e sala de informática. Há um centro de saúde, enfermaria e farmácia, além de seis galpões de trabalho. Os detentos que se recusam a trabalhar ou estudar são devolvidos às penitenciárias públicas. Até hoje, a unidade não registrou nenhuma rebelião ou fuga. Caso houvesse, o consórcio seria multado e perderia parte do repasse da verba. Apesar do sucesso, o modelo não foi replicado pelo governo mineiro. Cada detento custa, por mês, até R$ 1.000 a mais que os de uma penitenciária pública.

Em Manaus, seis presídios são administrados pela Umanizzare Gestão Prisional em parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), A empresa integra uma PPP para a construção de uma unidade que atenda 3.654 detentos com um investimento de R$ 400 milhões. A experiência, no entanto, não tem sido tão feliz quanto em Minas Gerais. O Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), na área rural de Manaus, já registrou tentativas de fuga e rebeliões. Na maior delas, em janeiro de 2017, 56 pessoas morreram, entre presos e funcionários.

No mundo, cerca de 200 presídios são privados, a maioria nos Estados Unidos. Lá, o modelo implantado inicialmente no governo Ronald Reagan tem sido bastante questionado. Em 2016, o Departamento de Justiça anunciou que iria descontinuar o modelo. A decisão foi motivada por um relatório apontando que as unidades registravam mais casos de agressões e motins, além de oferecerem menos serviços de reabilitação. Seis meses após o anúncio, o então Procurador-Geral, Jeff Sessions, voltou atrás.

ALÉM DAS PENITENCIÁRIAS O programa de desestatização paulista, encabeçado pelo secretário Henrique Meirelles, da Fazenda, e pelo vice-governador, vai muito além das prisões. A lista de empresas inclui a Companhia de Processamento de Dados do Estado (Prodesp), a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), a Imprensa Oficial do Estado São Paulo (Imesp) e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (Codasp). “Temos um governador que vai correr o mundo em busca de investimentos”, afirma Garcia. Caberá à Assembleia Legislativa permitir o avanço dos projetos como o que pode extinguir, fundir ou incorporar a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário SA) com outras cinco empresas. O processo deve levar dois anos.

Também estão na mira a Sabesp, o Zoológico, o Jardim Botânico e, em parceria com a prefeitura da capital, as marginais Pinheiro e Tietê, embora o modelo ainda não esteja definindo. Ambicioso, Doria tenta com o governo federal a transferência do Porto de Santos para a esfera estadual com a clara intenção de também colocá-lo à venda e aumentar sua eficiência. Professor de economia da PUC-SP, Antonio Correa de Lacerda, vê as privatizações como um instrumento e não um fim em si. “O Estado, de fato, não precisa estar à frente de todas atividades”, afirma Correa. “É preciso, porém, fortalecer os mecanismos de fiscalização e regulação.” Se bem feitas, as privatizações podem liberar recursos para investimentos em áreas que não podem ser vendidas. O mais difícil é tirar todo o plano do papel.