Graciela Elizalde nasceu em 2007, em Monterey, no México, e logo demonstrou um grave problema de saúde. Com apenas oito meses de idade, foi diagnosticada com a síndrome de Lennox-Gastaut, também conhecida como epilepsia reflexa. Sua vida era difícil. “Ela podia ter até 400 ataques epiléticos em um dia”, diz o advogado Raúl Elizalde, pai da menina. “Tentamos todos os remédios existentes em nosso país e nos Estados Unidos, sem sucesso.” Em 2014, uma amiga da família, que havia se mudado para o Texas e tinha um filho com o mesmo problema, falou de um tratamento baseado no canabidiol, ansiolítico de origem natural. O pediatra mexicano que tratava de Graciela desde o nascimento aprovou a ideia. Só havia um problema: o canabidiol é extraído da Cannabis sativa, proibida no México. Após uma longa batalha jurídica, o pai de Graciela foi autorizado a importar legalmente o remédio. Segundo Raúl Elizalde, apesar de a síndrome da menina não ter cura, a vida dela está bem menos difícil. “Hoje, nos piores dias, os ataques não passam de 20”, diz o advogado.

O tratamento resultou em algo ainda maior que uma maneira de aliviar os sofrimentos da filha. A necessidade enfrentada para importar o medicamento dos Estados Unidos mostrou a Alizalde um nicho de negócios. Especializado em comércio exterior, ele se tornou representante para a América Latina da HempMeds, empresa que inaugurou sua filial brasileira na terça-feira 13, em São Paulo. A companhia é subsidiária da americana Medical Marijuana, primeira empresa do setor a abrir capital nos Estados Unidos, em um movimento que antecipa a crescente demanda por medicamentos e outros subprodutos da planta. A meta é atender casos parecidos com o de Graciela, tentando contornar a pesada burocracia que envolve a importação e distribuição desses medicamentos por aqui.

De problema policial, os derivados da cannabis passaram a constar de farmacopeias. As sementes e óleo extraído delas integram suplementos alimentares. As fibras vêm sendo usadas em roupas, na construção civil e até na indústria automobilística, como um substituto barato e sustentável para os revestimentos dos automóveis. O interesse aumentou também pela descriminalização, a chamada autorização para uso recreativo. No início deste ano, o Estado americano da Califórnia liberou os moradores a dar suas baforadas em paz. O Canadá, onde os usos medicinais são liberados desde 2001, seguiu o mesmo caminho em outubro.

Raúl Elizalde, da HempMeds: busca de tratamento para a filha criou uma oportunidade de negócio

Não por acaso, as ações das empresas canadenses, que tiveram anos para pesquisar medicamentos em paz sem se preocupar com processos têm sido alvo da cobiça dos investidores. A Aurora Cannabis anunciou, na segunda-feira 12, um crescimento de 2.862% em seus lucros no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2018. O ganho da maior empresa do setor avançou de US$ 3,56 milhões para US$ 105,46 milhões devido à descriminalização. E Terry Booth, principal executivo da empresa, quer mais. “A autorização para o uso recreativo e a popularização crescente para tratamentos médicos nos permitem supor que há uma enorme demanda para ser atendida”, disse ele ao comentar os resultados. As 16 empresas cujas ações integram o North American Marijuana Índex tinham, somadas, um valor de mercado de US$ 8,69 bilhões na quinta-feira 14, e as dez maiores companhias canadenses valiam US$ 30 bilhões.

O avanço desses negócios no Brasil ainda é restrito. A cannabis tem cerca de 400 compostos químicos diferentes. O problema é que um deles, o tetrahidrocanabinol ou THC, é ilegal. A substância, presente nos cigarros de maconha, não é apenas útil contra o glaucoma e a perda de peso derivada de tratamentos contra o câncer. Ela também provoca euforia e, por isso, é classificada como entorpecente pela portaria 344 da Anvisa. Seu uso é uma contravenção e o tráfico é crime. Mesmo assim, o uso médico tem crescido. Os números da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que o mercado está em alta. O número de pacientes autorizados pela Anvisa a importar medicamentos derivados da cannabis cresceu de 168 em novembro de 2014 para 4.326 em outubro deste ano, um aumento de 2.475%. Não há muitas informações sobre o assunto, pois o mercado é 100% informal, mas as estimativas de quem conhece o assunto avaliam que o mercado de usos medicinais pode movimentar até R$ 80 milhões por ano no fim da próxima década.

O investidor brasileiro que quiser surfar nessa onda terá de mandar seu dinheiro para fora, pois não há empresas listadas aqui. E tocar o sino no pregão da B3 para comemorar a abertura de capital de uma companhia dedicada à cannabis, ainda que apenas aos usos medicinais, não será fácil. Elizalde reconhece que o assunto ainda é controverso. “O problema é que a substância medicinal e a substância entorpecente vêm da mesma planta, e é difícil convencer as autoridades da diferença”, diz ele. Porém, o advogado diz estar otimista. “As leis vão mudar, porque a sociedade vai exigir.”