A greve dos caminhoneiros, que paralisou o País, colocou em alerta toda a classe política a quatro meses das eleições e ainda levou para o centro das campanhas presidenciais o tema da reforma tributária. Os caminhoneiros conseguiram isenção da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e redução do PIS/Cofins sobre o preço do diesel, depois de negociar acordo exclusivo com o governo. Na tentativa de se mostrar capazes de resolver matéria tão complexa sem perder votos, os pré-candidatos prometem soluções que não passam por um aumento da atual carga de impostos, mas também evitam detalhar suas propostas.

A necessidade de se alterar o modelo de cobrança de tributos vigente no Brasil, diferentemente da execução de uma reforma previdenciária, é consenso entre os pré-candidatos. Representantes da direita e da esquerda se unem nas críticas ao alto volume de impostos pago pela população sem retorno em serviços públicos de qualidade. Na carona da crise, defendem fazer mudanças que tornem a carga tributária mais justa, deixando de pesar sobre os mais pobres. Só não explicam como reunir apoio para alcançar tal feito.

Consultados pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre suas propostas, três de 11 presidenciáveis nem sequer se posicionaram: Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Rodrigo Maia (DEM). Dos que responderam à reportagem, todos se comprometeram a não aumentar impostos – ao menos sobre os mais pobres – e a propor regras distintas para a partilha da receita oriunda de tributos entre União, Estados e municípios, o chamado novo pacto federativo.

A maioria ainda considera a unificação, em um mesmo imposto, de tributos que incidem sobre bens e serviços, como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. É o chamado Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). “Propomos substituir o ICMS pelo IVA nacional cobrado no destino. Será mantido o imposto de renda com incidência sobre lucros e também sobre salários. Haverá dois ou três impostos de caráter regulatório”, afirmou Henrique Meirelles (MDB). Na avaliação de Marina Silva (Rede), o IVA é de extrema importância para tornar a tributação brasileira mais eficiente e transparente.

Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela d’Ávila (PCdoB) disseram que cobrariam mais impostos dos ricos. “Vamos também taxar grandes fortunas e heranças, reintroduzir o imposto sobre remessa de lucros e dividendos e rever as tabelas do Imposto de Renda”, afirmou Boulos. “Para nós, qualquer reforma parte de um princípio: alguém só pode começar a pagar impostos depois que suprir as necessidades básicas da família”, disse Manuela.

Já Flávio Rocha (PRB) prometeu a criação de um imposto único federal, com base em transações financeiras eletrônicas, ao estilo da extinta CPMF, com alíquotas gradativas que chegariam a 1,4% em cinco anos. “Em compensação, só pagaria IR quem recebesse mais de 20 salários mínimos. Seria uma revolução, o ‘Uber tributário'”, disse.

Na semana passada, no auge da crise de desabastecimento, as declarações dos pré-candidatos foram acompanhadas de um movimento na Câmara para desengavetar o projeto de reforma tributária relatado por Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e parado desde agosto de 2017.

Pressa

Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, é evidente no Congresso a pressão para fazer o projeto andar como resposta à greve. “O receio é que essa necessidade permita que seja aprovada uma proposta falha, que onere ainda mais o setor público e deixe o ambiente de negócios ainda mais inseguro”, afirmou Appy, que tem se reunido com presidenciáveis.

Para o economista Clóvis Panzarini, da USP, “decidir matéria tão complexa de maneira tão açodada pode fazer com que se consiga o que se julga impossível, que é piorar o sistema”. “A caça a votos parece se sobrepor à racionalidade tributária.”

Soma-se a tudo isso a necessidade de se elevar as receitas destinadas a Estados e municípios, uma das principais dificuldades hoje para se aprovar um novo modelo de impostos. Com as contas no vermelho, seria missão das mais árduas conseguir convencer governadores e prefeitos de que eles precisarão abrir mão dos tributos que garantem a maior parte de seus recursos (ICMS e ISS) e confiar em um novo tributo nacional, o IVA.

“O próximo presidente precisará trabalhar com os governadores e instituições representativas dos prefeitos para buscar, com urgência, um consenso para o desenho de um novo pacto federativo. Ele será fundamental para balizar a reforma tributária, administrativa e a até previdenciária”, afirmou Alvaro Dias (Podemos).

Para o cientista político e pesquisador da FGV-SP Humberto Dantas, o País não tem liderança política para promover uma mudança razoável no campo tributário. “Qualquer coisa que venha será inscrita nas mudanças frágeis e repletas de protecionismo e exceções execráveis. Essa é a cara de nossa política hoje. O País perdeu a capacidade de se transformar.”

Tema antigo

“É preciso, pois, que apparecçam os projectos de reforma administrativa e do regime tributário.” A grafia antiga das palavras dá a dimensão de quão longínqua é a questão da reforma tributária no Brasil.

O País ainda vivia sob o regime imperial quando o Estado, naquela época chamado A Província de São Paulo, publicou em 15 de junho de 1883 a frase acima num texto de Rangel Pestana em que a questão dos impostos inconstitucionais estabelecidos pelas províncias era discutida por deputados na Câmara federal.

Após a proclamação da República, em 1889, o tema passou a ser pauta em cada eleição – para desaparecer em seguida. Passados os pleitos, e os mais diferentes governos (democráticos ou ditatoriais), a reforma tributária nunca seria concretizada na amplitude pretendida.

A pauta voltaria com força nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mas as propostas mais abrangentes foram descartadas quando se percebia que o governo não conseguiria a maioria para a aprovação no Congresso Nacional. Os governos Lula e Dilma Rousseff não conseguiram votar um projeto contra as distorções do sistema de impostos brasileiro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.