O Delta do Nilo, com seus campos verdejantes, símbolos de fertilidade, está ameaçado pelas mudanças climáticas, que reduzem suas reservas vitais de água doce.

“O Nilo encolhe, a água já não chega até nós”, lamenta Talaat El Sissi, um agricultor que cultiva há mais de 30 anos trigo, milho e outros produtos em Menufia, no sul do delta.

“Somos obrigados a extrair águas subterrâneas e paramos de cultivar arroz”, um cereal que demanda muita água, explica.

Segundo estudos de especialistas, realizados para o governo egípcio e organizações internacionais, as mudanças climáticas vão reduzir ainda mais a vazão do Nilo, com o qual o Egito conta em 90% para atender à sua demanda hídrica.

No país mais populoso do mundo árabe, o setor agrícola precisa cada vez mais deste precioso líquido para alimentar seus 98 milhões de habitantes. As alterações no clima, no entanto, poderiam reduzir a incidência de precipitações e aumentar os episódios de seca.

Assim, provocarão uma elevação do nível do mar e a salinização das terras, nociva para os cultivos.

O delta, coração agrícola do país em que se concentra quase metade da população, é particularmente afetado.

Segundo um estudo de economistas egípcios, publicado em 2016, a região poderia perder, até 2030, 15% de suas terras de alta qualidade devido à salinização. A produtividade dos principais cultivos também será afetada, caso do tomate, que poderia encolher 50%.

– Solar versus diesel –

Alguns especialistas asseguram que os sistemas de irrigação baseados em técnicas que emitem menos gases de efeito estufa, como a energia solar, são um bom método para reduzir as consequências das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que podem melhorar o rendimento dos campos.

Em Kafr al Dawar, no norte do delta, o Ministério de Irrigação e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) começaram a trabalhar neste sentido.

Ali, dois agricultores trajando a tradicional “galabiya” mostram, orgulhosos, quatro grandes painéis solares, novinhos, em meio a plantações de milho, cevada e trigo.

Sayed Soliman, de cajado em punho, dirige um grupo de centena de agricultores que cultivam mais de 100 hectares.

Este agricultor aguerrido está feliz em poder abastecer as bombas de irrigação sem depender de uma rede elétrica que costuma falhar, nem de energias fósseis, muito caras e responsáveis pelas mudanças climáticas, como o diesel.

Os motores a diesel só são usados “em caso de necessidade”, explica, como depois do pôr do sol, por exemplo.

Uma cidade vizinha também está começando a usar a energia solar para a irrigação.

“Uma das prioridades é a inovação […] para que o Egito possa aproveitar a água ao máximo”, explica Hussein Gadain, representante da FAO no Egito. “O delta desempenha um papel importante na segurança alimentar” do país, destaca.

Ibrahim Mahmud, chefe de projetos de desenvolvimento de irrigação no ministério, explica que foi posto em marcha um plano para modernizar os sistemas em todo o país com um prazo até 2050.

Esta estratégia está destinada, segundo ele, a melhorar “as condições ambientais, o nível de vida, a produtividade” dos agricultores.

– Segurança nacional –

Mas, em um país dirigido com mão de ferro pelo regime do presidente Abdel Fatah Al Sissi, o Nilo é um tema muito sensível que também tem implicações na segurança nacional.

A visita a Kafr el Dawar está estreitamente controlada pelo ministério. Diante dos funcionários, os agricultores se limitam a fazer um discurso limitado, rejeitando-se a falar da escassez de água no delta.

O chefe de Estado faz da água do Nilo uma “questão de vida ou morte” para a nação, principalmente no contexto das negociações, pouco conclusivas, sobre o Nilo com os vizinhos Etiópia e Sudão.

O Cairo teme que a imensa barragem do Renascimento, construído por Adis Abeba, reduza ainda mais a vazão do rio em sua passagem pelo Egito.

Para a socioeconomista e consultora independente em gestão hídrica Dalia Gouda, as duas prioridades mais importantes do governo perante a escassez da água são a luta contra a superpopulação e defesa dos interesses do país em frente à represa etíope.

“Estão sendo tocados muitos projetos interessantes para melhorar a eficácia hídrica”, explicou. “Mesmo se não forem necessariamente elaborados para combater as mudanças climáticas podem ajudar as autoridades a enfrentá-las”.