O craque português Cristiano Ronaldo, o líder da goleada de 4 a 1 que o time
espanhol Real Madrid impôs à equipe italiana da Juventus de Turim na final da Champions League, no início de junho, gritava insistentemente de modo a mostrar quem mandava no jogo. “Eu estou aqui! Eu estou aqui! Eu estou aqui!”, bradava o dono da camisa sete do Real, após chutar a bola que ganharia abrigo nas redes do goleiro Gianluigi Buffon. Ronaldo, um astro midiático – e vaidoso – a ponto de marcar um gol e, instantaneamente, se olhar no telão do estádio, sabia que não estava falando apenas para os 75 mil torcedores presentes no Millenium Stadium, na pequena Cardiff, capital do País de Gales, com cerca de 350 mil habitantes.

O português, a estrela de uma batalha desigual entre os merengues e os bianconeri, gritava para todo o planeta. Mais precisamente para mais de 350 milhões de pessoas, espalhadas em 200 países, que grudaram os olhos em suas televisões para assistir à final do maior campeonato de clubes do mundo, uma máquina de fazer negócios, atrair empresas e gerar receitas de € 2,35 bilhões para a UEFA, a entidade que comanda o futebol na Europa. Para traduzir a grandeza e a complexidade de uma partida – fosse ela uma pelada ou um clássico –, o escritor e cronista esportivo Nelson Rodrigues (1912-1980) dizia que “em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.

E seria uma imensa cegueira resumir a final da Champions apenas ao que acontece dentro das quatro linhas do gramado. O campeonato é a prova concreta de como um esporte pode ser transformado em uma aula magna de marketing. A cada momento, em cada lugar que a vista alcança, uma marca patrocinadora preenche um espaço. Um espaço, é bom salientar, bem caro. Para poder associar seu nome ao torneio, cada empresa paga cerca de US$ 70 milhões por ano. E não são poucas. Entre elas estão UniCredit, Sony, Mastercard, Lays, Nissan, Gazprom, Heineken e Adidas.

Além de presença obrigatória nas placas esportivas e também nas chamadas Fan Fests, que aconteciam a mais de três quilômetros do estádio galês, elas brilhavam na UEFA Champions Village, como foi batizada uma área vip erguida dentro dos muros do Castelo de Cardiff, uma construção medieval datada de 1081 posicionada estrategicamente ao lado do estádio. Ali, todas as patrocinadoras construíram seus espaços regados à boa comida, boa bebida e entretenimento para agradar a um seleto público convidado.

Só dão elas: as principais patrocinadoras da UEFA Champions League pagam US$ 70 milhões por ano para associar suas marcas ao evento. No centro, os espaços usados pelas empresas em Cardiff e a área vip (à dir.)
Só dão elas: as principais patrocinadoras da UEFA Champions League pagam US$ 70 milhões por ano para associar suas marcas ao evento. No centro, os espaços usados pelas empresas em Cardiff e a área vip (à dir.) (Crédito:Boris Streubel - UEFA/UEFA via Getty Images, Divulgação)

“A marca Champions League virou referência no futebol. Em termos de marketing, superou a Copa do Mundo da Fifa”, diz Eduardo Tomiya, CEO da Kantar Veermer para a América Latina. A final é, obviamente, o ápice de uma série de ações que as empresas desenvolvem ao longo da temporada para colar seus nomes à Champions. “A Heineken, por exemplo, é a marca mais ligada ao futebol sem ser da área de esportes”, diz Amir Somoggi, consultor especializado em marketing esportivo, sobre a cervejeira holandesa.

Isso, entretanto, não veio da noite para o dia. “Patrocinamos a Champions há mais de dez anos”, diz Vanessa Brandão, diretora de marketing da Heineken. “E não colocamos só uma placa no campo com o nosso nome.” Neste ano, por exemplo, a empresa criou no Brasil a campanha The Timezone, que desafiava os torcedores brasileiros a viver no fuso horário europeu. Como os jogos do torneio aconteciam, em sua maioria, durante a semana e no horário de expediente das empresas, a marca desenvolveu um vídeo que viralizou no mundo inteiro.

Com a ajuda da Pirelli, filmou, com uma câmera escondida, dois funcionários da empresa de pneus assistindo aos jogos durante o trabalho. Chamados pelo departamento de recursos humanos da companhia, eles acharam que seriam demitidos até serem surpreendidos pelo desafio da Heineken. Eles teriam de viver um dia no fuso da Europa, quatro horas antes, aqui no Brasil. Se conseguissem acordar, trabalhar e cumprir todas as tarefas no horário europeu, eles poderiam assistir ao jogo em um bar.

Oportunidade: a montadora Nissan alugou um navio de cruzeiro atracado ao lado de Cardiff e aproveitou para lançar  o novo X-Trail. Abaixo, uma partida de futebol com robôs inteligentes no espaço da marca na UEFA Champions Village
Oportunidade: a montadora Nissan alugou um navio de cruzeiro atracado ao lado de Cardiff e aproveitou para lançar
o novo X-Trail. Abaixo, uma partida de futebol com robôs inteligentes no espaço da marca na UEFA Champions Village (Crédito:Divulgação)

No final, foram surpreendidos com os ingressos para o jogo de Cardiff. O vídeo com esta ação foi visto por 6,3 milhões de pessoas no mundo, o terceiro de maior sucesso da Heineken em toda a sua história. “Mais do que patrocínio, entregamos conteúdo”, diz Brandão. A companhia também criou promoções para levar os clientes à final e, no dia do jogo, organizou festas no mundo inteiro. No Brasil, preparou megaeventos, chamados de The Champions Party, em Manaus, Belém, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo.

Na capital paulista, a festa aconteceu no ginásio Mauro Pinheiro, ao lado do Complexo Ginásio do Ibirapuera, e reuniu 2 mil pessoas. No exterior, a marca de cerveja também aproveitou para fazer barulho. Em um navio de cruzeiro que partiu da Grécia, nomeado como Heineken Champion Voyage, a empresa reuniu 500 fãs do esporte e influenciadores como o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho. “Mais de 70% dos consumidores associam a Heineken ao futebol”, diz Brandão.

A tática de usar um navio de cruzeiro inteiro para chamar gente de várias partes do mundo para celebrar o evento esportivo também foi usada pela montadora japonesa Nissan. A companhia fretou o Magellan, uma embarcação com 46 mil toneladas, 220 metros de comprimento e capacidade para 1,25 mil passageiros, e embarcou todos os seus convidados. De quebra, fez o lançamento mundial da nova versão do utilitário esportivo X-Trail. Ancorado no porto de Newport, a quarenta minutos de carro de Cardiff, o navio recebeu desde os concessionários que mais venderam, passando pelos principais clientes e ganhadores de promoções que a marca fez durante o ano.

Quase uma novata na Champions, a Nissan entrou na temporada 2014/2015 no lugar da montadora Ford e começa a perceber a magnitude do evento global. “Vamos explorar mais esse patrocínio, fazer mais ações para reforçar a nossa marca mundialmente”, diz Marco Silva, presidente da Nissan do Brasil. A força do torneio europeu é um caso a parte. “É impressionante a virada que aconteceu com a Champions League”, diz Amir Somoggi. “Em 1993, o torneio faturava € 45 milhões. Hoje, são mais de € 2 bilhões por ano.”

Somoggi destaca que a transformação da competição em um evento global passou pela profissionalização da gestão, pelo fortalecimento da marca, a criação de ícones de marketing como um hino próprio, a centralização dos contratos de transmissão televisiva e a chance das patrocinadoras fazerem ativações o ano todo sem as famosas restrições impostas pela Fifa em eventos como a Copa do Mundo, que permitem ações num curto período de tempo. Aliás, a Champions já ultrapassou a Copa do Mundo quando analisada num período de quatro anos. “Na última Copa, a Fifa faturou US$ 5,5 bilhões. Nos últimos quatro anos, a Champions alcançou uma receita de € 7,3 bilhões (US$ 8,15 bilhões)”, diz Somoggi.

No mundo todo: a cervejaria Heineken organizou festas no mundo inteiro para celebrar a Champions. À esquerda, o evento em São Paulo e à esquerda em Cardiff
No mundo todo: a cervejaria Heineken organizou festas no mundo inteiro para celebrar a Champions. À esquerda, o evento em São Paulo e à esquerda em Cardiff (Crédito:Divulgação)

Parte do sucesso também se deve ao modelo de remuneração adotado pela UEFA. Ao longo do campeonato, os 32 times participantes recebem um total de € 1,3 bilhão. O campeão e o vice, é claro, faturam mais. Mas isso não quer dizer, necessariamente, que o vencedor ganha mais do que o segundo colocado. O Real Madrid garantiu € 89,5 milhões para seus cofres. Deste total, € 54,2 milhões vieram do desempenho esportivo e os outros € 35,3 milhões pelos direitos de transmissão.

A vice-campeã Juventus, por sua vez, abocanhou € 101,1 milhões. Seu desempenho garantiu € 51,1 milhões e outros € 50,6 milhões vieram dos direitos de transmissão. A diferença nos pacotes de transmissão deriva dos contratos firmados com cada país e do número de times que dividem a cota. No caso da Juventus, a equipe recebeu mais do que o Real Madrid em cotas televisivas porque não teve de dividir com outros times de seu país da maneira que o Real foi obrigado.

O único time italiano que poderia brigar pelas cotas foi a Roma, desclassificada na fase de grupos. O valor da transmissão também depende da força de cada liga e quanto ela rende em termos de faturamento. Os times da Premier League inglesa, por exemplo, ganham 15% a mais do que os outros. Apesar de envolver muito dinheiro, algumas equipes poderiam chiar e até abandonar a competição devido a essas diferenças, mas elas não o fazem devido a uma questão crucial: a Champions League se tornou uma vitrine global.

Ao disputarem o torneio, os times ganharam fãs na Ásia, na América Latina, na África e nos lugares mais longínquos. A UEFA soube transformar a final em um evento equiparado ao Super Bowl, a final do futebol americano. Uma única partida, uma sede neutra escolhida por sorteio e um grande show musical. Neste ano, quem deu as caras foi o grupo americano Black Eyed Peas. Mas ele foi ofuscado pelo futebol do Real Madrid, sobretudo de Cristiano Ronaldo. Pois é, ele estava lá.

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