Os números são desoladores: segundo o Instituto Trata Brasil, 100 milhões de brasileiros vivem hoje sem qualquer acesso à rede de esgoto. É quase um Japão inteiro. E 35 milhões não têm água encanada. É o equivalente à população do Canadá. Um problema que se mostrou ainda mais preocupante a partir da pandemia da Covid-19, já que lavar as mãos com muito mais frequência tornou-se, até aqui, a vacina mais eficiente para evitar a contaminação. Mas para isso precisa de água. Nesse contexto, a BRK Ambiental, maior empresa privada de saneamento do Brasil e que registrou em 2019 receita líquida de R$ 2,26 bilhões (alta de 17% sobre 2018), planeja ampliar a participação no mercado. Hoje, apenas 6% dos serviços de saneamento dos municípios estão nas mãos de concessionários privados, o que mostra o enorme caminho para ser traçado. “Empresas estaduais e autarquias perderam suas capacidades de investimento. E era necessário segurança jurídica para que o setor privado pudesse aplicar os recursos para expandir o saneamento”, disse a CEO da companhia, Teresa Vernaglia.

Justamente essa segurança do ponto jurídico para garantir as condições de investimento que norteia o novo Marco Legal do Saneamento, sancionado em julho pelo presidente Jair Bolsonaro. A principal ação da nova lei é universalizar e aprimorar a prestação de serviço no segmento e, até 2033, alcançar a ousada meta de garantir que 99% da população tenha acesso à água e 90% ao esgoto tratado. Tudo isso com regras bem definidas e com regulação da Agência Nacional das Águas (ANA). O governo federal trabalha com uma perspectiva de investimentos privados da ordem de R$ 700 bilhões neste período, o que daria uma média de R$ 50 bilhões ao ano. Hoje, do poder público, não são aplicados mais do que R$ 10 bilhões anuais em investimentos. A lógica é parecida com o que aconteceu no setor elétrico e de telecomunicações e atualmente com estradas, portos e aeroportos. “Não tenho dúvida de que o saneamento é a maior oportunidade de crescimento dentre as concessões de infraestrutura no Brasil. E a BRK está posicionada para capturar esse crescimento”, disse.

Com atuação em 112 municípios no Brasil e 13 estados, o que dá um contingente de 15 milhões de habitantes, com maior presença no Nordeste, a BRK Ambiental planeja investir R$ 7 bilhões até 2023 nas obras de expansão nas áreas de concessão. A BRK hoje é comandada pela Brookfield, que tem 70% de participação acionária, e o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS), com os outros 30%. Em setembro, a BRK venceu leilão na B3 da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), e ficará responsável, por 35 anos, pelos serviços de água e esgotos de 13 cidades da Região Metropolitana de Maceió. Com outorga de R$ 2 bilhões, o que significou um ágio de 13.180% ao valor mínimo estipulado, de R$ 15,12 milhões, a empresa investirá na concessão R$ 2,6 bilhões em infraestrutura, sendo R$ 2 bilhões nos primeiros seis anos. A maior operação da empresa hoje é na Região Metropolitana de Recife, com 4 milhões de pessoas atendidas em 15 cidades.

No segundo trimestre, auge do isolamento social imposto pela pandemia, a companhia sentiu os efeitos da crise. A receita líquida do período alcançou R$ 544 milhões, queda de 4% em relação ao mesmo período do ano passado. Por outro lado, o lucro líquido saltou R$ 8 milhões para R$ 19 milhões, alta de 137,5%. “Algumas obras de expansão, com instalação de hidrômetros, precisaram ser interrompidas por um período, o que impactou na receita”, disse Teresa. “A eficiência operacional da companhia contribuiu para que o aumento do lucro.”

O resultado do terceiro trimestre será divulgado na primeira quinzena de novembro. Por ano, a empresa investe, em média, R$ 1 bilhão nos contratos vigentes. Segundo a CEO, a expectativa é que, por conta da crise, a companhia alcance neste ano cerca de 85% desse volume. Parte do investimento diz respeito à redução do índice de perdas de água. Se ainda deixamos tanta gente sem água no Brasil, não é razoável que 38,5% do que é distribuído no País, ainda segundo o Trata Brasil, seja desperdiçado. A meta da BRK é chegar em 2023 com taxa de desperdício médio de todas as operações da ordem de 30%. Para o analista de investimentos Victor Luiz de Figueiredo Martins, da Planner Corretora, a nova legislação será fundamental para garantir a segurança necessária para os investimentos privados. E chega em uma hora importante. “É o momento de mais investimentos no saneamento. As companhias estatais e as autarquias têm limite de investimentos. A chegada de players privados é muito bem-vinda para acelerar o processo de expansão das redes”, afirmou. “Quando houver mais concessões, certamente veremos novas empresas surgirem nesse segmento”, disse Martins.

A questão é que, antes da iniciativa privada investir e propor projetos para avançar a rede de água e esgoto, é necessário enfrentar outro grande desafio: a vontade política de prefeitos para avançar em políticas de concessão do sistema. Talvez pela velha máxima, na visão de políticos antigos, de que obra debaixo da terra não dá votos. “O agente público precisa enxergar o benefício do investimento para a população. O debate em torno do marco do saneamento mostrou que a narrativa está mudando. Investir em saneamento é melhorar a saúde das pessoas”, disse a CEO. Expandir saneamento pode até não dar voto, mas garante a saúde de quem vai às urnas.