A polêmica liberação automática de autorizações e licenças ambientais por vencimento de prazo, ou seja, passado um período estipulado para o órgão de governo se manifestar, poderá ser votada nesta quarta-feira, 29, pelo plenário virtual da Câmara.

A medida provisória 915, que está na ordem do dia de votação, trata originalmente da chamada “Lei da Liberdade Econômica” editada pelo governo, mas acabou trazendo, dentro do textos, mudanças que afetam diretamente o rito do licenciamento ambiental em todo o País.

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Na prática, a mudança limita que o licenciamento ambiental só será seguido de maneira regular para projetos que exijam Estudo de Impacto Ambiental (EIA), ou sejam empreendimentos complexos e de grande porte. Ocorre que, no dia a dia, mais de 90% dos licenciamentos feitos por municípios, Estados e pela União são projetos que não exigem esse tipo de estudo.

Especialistas do setor afirmam que o texto da MP possibilita que processos de licenciamento ambiental de baixo ou médio impacto poderão obter licença automática, caso os órgãos responsáveis pelo processo não cumpram um prazo predeterminado para se manifestarem sobre esses pedidos. Avaliam ainda que a mudança pode levar à aprovação de agrotóxicos sem análise de órgãos competentes, como a Anvisa e Ibama; autorização de supressão vegetal na Amazônia e Mata Atlântica automática por decurso de prazo e sem análise de órgão ambiental; e ingresso de não índios em terras indígenas por decurso de prazo.

“A aprovação por decurso de prazo, se aprovado o texto da MP 915, será potencialmente aplicável à grande maioria dos processos de licenciamento ambiental no país. Traz uma lógica perversa no quadro que temos no país de desmonte dos órgãos ambientais em termos de recursos humanos: o interesse do empreendedor ficará acima do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso é frágil juridicamente e inaceitável no mérito”, disse ao Estado Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

Para o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, trata-se de um retrocesso flagrante no processo de licenciamento em todo o País. “O mundo todo reconhece que a pandemia tem origem na degradação do meio ambiente. É acintoso que o Brasil aprove retrocessos na legislação ambiental, ainda mais no momento em que disparam os casos de desmatamento ilegal na Amazônia e invasão de áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. Vão permitir uma autorização de desmatamento emitida automaticamente por transcurso do prazo de análise do órgão?”, questiona.

A MP 915 trata, originalmente, da gestão de imóveis que pertencem à União. A regra sobre o licenciamento, incluída na MP, estabelece que apenas “atividades com impacto significativo no meio ambiente” seguirão sem prazo definido para licenciamento. A ideia é estabelecer um prazo geral de 60 dias para que os órgãos se manifestem. Para que haja uma transição, no primeiro ano de vigência o prazo máximo estabelecido pelo órgão ou entidade poderá ser de 120 dias. Vencido esses períodos, o projeto recebe a licença tácita. No segundo ano, de 90 dias, chegando a 60 dias no terceiro ano. Poderá haver, no entanto, prazos maiores em casos que se comprovem mais complexos.

Para ambientalistas, a proposta é, também, inconstitucional, porque a Lei Complementar que trata do Meio Ambiente (LC 140) proíbe a estipulação de prazos para a emissão de qualquer tipo de licença ambiental e o instrumento da MP não tem poder de alterar essa regra. Pela legislação, para que isso fosse feito, o governo teria de submeter ao Congresso um Projeto de Lei Complementar.