O tradicional badalo do sino de bronze marcou, mais uma vez, a abertura do pregão da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) na quinta-feira 18. O mestre-de-cerimônias, porém, não era o mesmo dos últimos oito anos. À frente do evento estava Catherine Kinney, uma das diretoras da Bolsa, que substituiu o antigo chefe, Richard Grasso, que renunciara ao posto de presidente da NYSE na noite anterior. Grasso foi convencido a apresentar sua renúncia ao Conselho de Administração após a polêmica provocada pelo anúncio da renovação de seu contrato até 2007 por uma remuneração adicional de US$ 139,5 milhões (o equivalente a R$ 404,5 milhões no câmbio da semana passada). Esse valor é resultado da soma de benefícios, incentivos e um pacote de aposentadoria, fora o salário. Mensalmente, Grasso ganhava um salário de US$ 1,4 milhão. Além disso, seu bônus anual não ficava abaixo de US$ 1 milhão. Quando esse pacote de remuneração veio a público, executivos do mercado e os próprios conselheiros da Bolsa acharam que Grasso estava ganhando além da conta. Quatro grandes fundos de
pensão, que têm US$ 401 milhões em ativos, pediram sua cabeça. ?Um grande empreendedor até mereceria ganhar isso, mas não um burocrata que trabalha para uma instituição como uma bolsa de valores?, observou um crítico.

Empreendedor, Grasso realmente não é. Mas também está longe de ser apenas um burocrata. Criado no bairro do Queens por sua mãe e duas tias, Grasso começou a trabalhar na Bolsa de Nova York em 1968, aos 22 anos, como auxiliar de escritório. Seu salário era de US$ 82,50 por semana. O emprego provocava protestos de sua mãe, que o queria no Departamento de Polícia. Quando recebeu uma promoção, a primeira coisa que fez foi ligar para casa para contar a novidade. Em vez de parabéns, ouviu da mãe que se tivesse virado policial já seria sargento. Grasso deixou as críticas de lado e continuou na NYSE, seu primeiro e único emprego até a semana passada. Em 1995, mesmo sem ter curso superior, foi nomeado presidente da bolsa de valores mais importante do mundo. Era a chance da sua vida e Grasso soube aproveitá-la. Com bom trânsito entre operadores, corretores e banqueiros, ele trabalhou duro com o propósito de construir a imagem da Bolsa como o lugar onde qualquer um poderia realizar o sonho do capitalismo americano: ficar rico com ações. Grasso não cansava de propagandear as benesses do mercado de ações tanto para os pequenos quanto para os grandes investidores. Além do marketing, Grasso foi beneficiado mesmo pela bolha dos anos 90. De 1995 até a primeira semana de setembro, o volume médio de negócios diários saltou de cerca de US$ 300 milhões para mais de US$ 1,3 bilhão.

Muitas das atitudes de Grasso, todavia, foram criticadas por conflito de interesses. Uma delas foi estar no conselho da Computer Associates, que chegou a ser investigada pela SEC, o xerife do mercado de ações americano. Outra medida bombardeada foi a nomeação do então presidente do Citigroup, Sanford Weill, para um cargo no Conselho da Bolsa. Condenado a pagar US$ 400 milhões em multas por operações ilegais envolvendo o banco e corretores, Weill acabou renunciando. Constantemente criticado pela falta de transparência, a saída de Grasso não abalou o mercado. No primeiro pregão após sua renúncia, os dois principais índices da NYSE (o Dow Jones e o S&P 500) fecharam em alta ? a maior desde junho de 2002. Para muitos analistas, são indicadores de que Grasso não fará tanta falta e que o mercado, depois de escândalos como o da Enron e da WorldCom, está mais preocupado com a governança corporativa. Por contrato, Grasso ainda vai levar mais US$ 10 milhões para casa por deixar o posto. Esse, realmente, fez fortuna na Bolsa de Valores.