Depois de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ser envolvido em uma denúncia de corrupção pela primeira vez em sua história, o novo presidente do órgão, Alexandre Barreto, diz que a delação da JBS foi um teste no qual o conselho passou “com louvor” e que vai trabalhar para aumentar a autonomia do Cade. Segundo ele, um dos caminhos é transformar o órgão em agência executiva, o que traria liberdade na gestão orçamentária.

Administrador de empresas por formação e servidor de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU), Barreto assumiu o órgão antitruste no dia 22 de junho, aos 44 anos. A seguir, trechos da entrevista:

Um ano depois, o Cade volta a ter presidente efetivo. Quais são os objetivos da nova gestão?

Um dos grandes desafios é manter o padrão de qualidade das decisões do Cade. O primeiro objetivo é fazer com que a autonomia funcional do Cade seja acompanhada com autonomia de fato. Autonomia de gestão, orçamentária, financeira. O segundo é investir mais em análises de conduta, principalmente cartéis, principalmente cartéis em licitações públicas.

O que seria essa autonomia orçamentária e como conseguir?

Podemos qualificar o Cade como agência executiva, já iniciei as tratativas. A agência executiva tem um contrato de gestão e metas definidas (um exemplo é o Inmetro). O Cade receberia seu orçamento e teria liberdade para manejá-lo e, por outro lado, teria de cobrir as metas estabelecidas. Outra possibilidade seria incluir o Cade no projeto do marco regulatório de agências reguladoras, que dá autonomia para a gestão orçamentária. Nosso pleito atual é que o orçamento seja igual às taxas que o Cade arrecada, que são destinadas para o custeio da autarquia. Arrecadamos em torno de R$ 30 milhões por ano e temos orçamento de R$ 20 milhões por ano.

A indicação do seu nome gerou críticas porque o sr. não é da área da concorrência, nem advogado ou economista, como era uma tradição no Cade. Como o sr. responde a essas críticas?

Tenho 25 anos de experiência na administração pública, em gestão. Tanto minha formação acadêmica como minha prática profissional sempre foram na linha de gestão pública e investigação. Me considero mais do que capacitado para o desafio.

Entre sua indicação e a nomeação, o Cade foi envolvido na delação de executivos da JBS (Joesley Batista disse ter pago propina para obter decisão favorável no Cade a mando de Michel Temer). A delação da JBS manchou a reputação do Cade?

De modo algum. Principalmente pelo fato de o Cade não ter produzido nenhum resultado que tenha trazido qualquer benefício para as empresas envolvidas nessa delação. Pelo contrário, eu diria que foi um teste para o Cade e que o órgão passou com louvor. Não tenho detalhes do processo, que é sigiloso, mas posso afirmar com 100% de certeza que nenhuma ação foi adotada no Cade para beneficiar quem quer que seja, que esteja envolvido nesses áudios que vieram à tona.

E o fato de uma das gravações ter discutido a indicação à presidência do Cade (em um dos áudios, Joesley diz a Temer que o conselho precisa de um presidente “ponta firme”)?

Em nenhum momento meu nome foi citado. Em nenhum momento falei com nenhuma das pessoas envolvidas nesses áudios – nem diretamente e nem por interposta pessoa. Então, com convicção, afirmo que não afeta em nada o dia a dia das atividades do Cade.

Sua primeira sessão de julgamento teve um caso marcante: a rejeição da compra da Estácio pela Kroton. As ações das companhias foram muito influenciadas pelas notícias antes e durante o julgamento. Isso fez com que o tribunal tivesse mais cuidado ao julgar o caso?

Não influenciou de forma alguma o julgamento. Sem dúvida, foi um caso relevante, como são todos os casos submetidos à avaliação do Cade. A decisão que o conselho tomou foi rigorosa, técnica, embasada nas informações que estavam presentes no processo. O Cade foi tão rigoroso quanto sempre foi.

Há orientação para que processos da Lava Jato tenham prioridade?

Acho importantíssimo que seja garantida a independência funcional das diferentes instâncias no Cade. Então, não seria adequado falar em qualquer tipo de pressão ou mesmo pedido para que algum caso venha na frente do outro. A Superintendência Geral tem total liberdade para estabelecer suas prioridades. Temos outros casos, além da Lava Jato. Temos o do Metrô de São Paulo, que está pronto para ser finalizado e encaminhado. Temos ainda o cartel de merendas em SP, o cartel de telas e monitores de LCD. Dentro de todas as limitações, estamos neste jogo de cobertor curto para definirmos o que será feito prioritariamente.

A forma de calcular multas aplicadas pelo Cade tem gerado debates no tribunal. Alguns conselheiros defendem o cálculo com base no faturamento das empresas; outros, pela vantagem auferida com a prática anticoncorrencial. Como o sr. pretende julgar essas questões?

Ainda estou analisando. Mas a lei é bem clara. Ela estabelece que a multa deve variar entre 0,1% e 20% do faturamento da empresa no ano anterior, não podendo ser inferior à vantagem auferida, desde que ela possa ser calculada. Há de se ver em cada caso específico. Não existe uma ciência, a cada processo, há de se verificar as informações juntadas aos autos, atenuantes e agravantes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.