Um dos maiores nós que os administradores públicos tiveram na pandemia foi como tratar o transporte público. Invariavelmente, a solução foi reduzir a frota em circulação, porque parte da população estaria em casa. Mas as pessoas que não puderam fazer home office, sofreram com isso. No caso de viagens intermunicipais, o medo derrubou a demanda. O resultado: perderam todos. Os usuários e as empresas do setor. Atingida em cheio, a Marcopolo, uma das maiores do mundo em carrocerias de ônibus, com unidades em 10 países, precisou criar rapidamente soluções. “Teríamos o melhor ano da Marcopolo. Fomos muito impactados pela pandemia, principalmente pelo fechamento de fronteiras e do medo generalizado de viajar de ônibus”, disse o CEO da empresa, James Bellini. A empresa sentiu, no resultado financeiro do terceiro trimestre, a queda de encomendas a partir do segundo trimestre, o primeiro diretamente atingido pela crise da Covid-19.

Com um prazo de pelo menos 60 dias, em média, para entrega dos veículos, o reflexo da diminuição é percebido nos meses seguintes. No acumulado de janeiro a setembro, a Marcopolo registrou receita líquida de R$ 2,55 bilhões, redução de 18,2% sobre os mesmos nove meses de 2019. A maior variação foi, naturalmente, no segmento rodoviário, os ônibus de viagem. A leitura é fácil: fazer uma viagem pode ser adiado; já a de transporte público, nem sempre. Antes da pandemia, o rodoviário correspondia a 70% da receita. Os demais 30% eram divididos entre urbanos e micro-ônibus. Hoje, esse índice é de 42% para urbano, 38% no fretamento e apenas 20% para rodoviário. No terceiro trimestre, os pedidos de ônibus para transporte exclusivo de funcionários cresceram entre 10% e 12%, na comparação com o mesmo período de 2019.

FOCO NA SAÚDE A empresa criou uma plataforma para implantar itens de biossegurança em seus ônibus, como cortinas com proteção antimicrobiana. (Crédito:José Zignani )

Pouco mais da metade do faturamento da empresa (51%) corresponde ao mercado interno. O restante é dividido entre exportações (25,6%) e negócios internacionais (23,4%). E foi justamente na receita das exportações que a queda foi um pouco menor, da ordem de 5,6% nos primeiros nove meses deste ano em comparação ao ano passado. “A queda do volume em unidades foi compensada pela diferença cambial”, disse o CEO. Os principais mercados no exterior foram Argentina, Angola, Chile, Congo e Peru. No âmbito interno, a companhia venceu parte da licitação do Programa Caminho da Escola, do governo federal, para fornecimento de ônibus escolares para estados e municípios. Dos 6,2 mil veículos contratados pela União pouco antes da pandemia, 4,8 mil sairão da fábrica da Marcopolo. “Fecharemos o ano com 3,6 mil veículos entregues, restando outros 1,2 mil para o primeiro trimestre de 2021”. Neste ano, a Marcopolo produziu no Brasil, até setembro, 8 mil unidades. Em 2019, foram 13,3 mil. Todo o setor sentiu o impacto do isolamento social. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o licenciamento de ônibus no Brasil alcançou, entre janeiro e outubro, 11,4 mil unidades, queda de 34,3% sobre os primeiros dez meses de 2019 (17,3 mil).

As ações da companhia refletem, porém, a expectativa de retomada. Na terça-feira (10), os papéis da Marcopolo na B3 foram negociados a R$ 2,79, alta de 30% sobre o pior resultado do ano, em 24 de março, quando fechou a R$ 2,15. Mas ainda bem longe dos R$ 5,49 registrados no dia 19 de fevereiro, antes da pandemia. Para o estrategista-chefe da Guide Investimentos, Luis Sales, a melhora de fato do setor só deve ser percebida em 2021. “Vejo uma situação mais clara a partir da chegada da vacina. Por enquanto, imagino que a retomada no setor seja mais lenta, atingindo bons índices no fim do primeiro semestre de 2021.”

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“Fecharemos o ano com 3,6 mil veículos entregues, restando outros 1,2 mil para o primeiro trimestre de 2021” James Bellini CEO da Marcopolo.

INOVAR É A SAÍDA Para tentar reverter o quadro ainda em meio à crise, a Marcopolo desenvolveu soluções para atender à nova necessidade de distanciamento, ainda que em um local fechado. Umas delas foi a criação de uma plataforma, chamada BioSafe, lançada em junho, com diversos itens de biossegurança que podem ser implementados nos ônibus. “Estamos falando desde poltronas mais espaçadas, com pelo menos 1 metro de distância, com dois corredores, transformando o ônibus de 46 lugares num de 34”, afirmou Bellini. Além disso, ele enumera outras inovações, como cortinas com proteção antimicrobiana, ar-condicionado que troca todo o ar do ambiente em 3 minutos e tem sistema UV (ultravioleta) para desinfecção e banheiros também com luzes ultravioleta, o que garante que sempre estará desinfetado. De junho a setembro, 85% dos ônibus foram produzidos com pelo menos um item BioSafe. A Marcopolo engatou sua agenda para sair da crise como uma empresa maior. E melhor.