Durante a década de 1980, o diretor cinematográfico Ivan Reitman decidiu brincar com o medo que pessoas tinham de fantasmas e lançou a comédia Os Caça-fantasmas. No clássico longa-metragem, um trio de cientistas atrapalhado se esforçava para capturar os inimigos assombrosos e salvar o mundo. Três décadas depois de o filme chegar aos cinemas, os vilões continuam não sendo de carne e osso. Mas, ao contrário, de ectoplasmas gosmentos, o perigo se materializa, agora, na forma de bits e bytes. E, dessa vez, não há nada de engraçado nessa história. Cada vez mais sofisticadas, as ameaças virtuais assustam até mesmo quem lida com segurança digital. Isso porque os criminosos online estão apostando na criação de bots, espécie de robôs virtuais criados a partir de códigos de programação. O objetivo é automatizar os ataques digitais, maximizando o seu alcance e o poder de destruição. “Os bots são muito mais eficientes e rápidos dos que os hackers”, diz Marco DeMello, fundador e CEO da PSafe, empresa brasileira de segurança digital.

Os primeiros robôs virtuais surgiram para fraudar a indústria da publicidade. Eles eram criados para gerar tráfego em sites, vídeos e páginas em redes sociais. É o que ficou conhecido como “fazendas de cliques”. Esses negócios obscuros surgiram na Ásia e no Norte da África, em países como Bangladesh, China, Índia e Egito. Basicamente, eles agrupam centenas de celulares ou computadores que são comandados pelos bots, acessando sites e clicando em anúncios publicitários. Detalhe: os anunciantes pagam por clique. O problema é que não é uma pessoa real que está se interessando pelo conteúdo. “Não há qualquer tipo de relacionamento com a marca”, diz Carolina Terra, professora de pós-graduação em comunicação digital da Universidade de São Paulo e consultora de mídias sociais.

Segundo dados do grupo de publicidade e comunicação inglês WPP, esses androides da internet geraram perdas US$ 16,7 bilhões aos anunciantes digitais somente em 2017. A cifra é mais do que o dobro da registrada em 2016, quando o prejuízo foi de US$ 7,2 bilhões. Esse é um dinheiro que grandes anunciantes estão jogando no ralo por conta desses cliques falsos em suas propagandas. As fazendas de cliques ajudam a inflar a popularidade em redes sociais ou a visualização de vídeos. Com isso, abriu-se espaço para outro negócio: o de agências de marketing digital que vendem seguidores. “As fazendas de cliques viraram um negócio rentável e atualmente alimentam uma grande indústria de manipulação pública”, afirma Igor Valoto, especialista de segurança da Trend Micro.

Marco Demello, ceo da PSafe: “Os bots são muito mais rápidos e eficientes do que os hackers” (Crédito:Stefano Martini)

Dona de 3,5 milhões de perfis falsos no Twitter, a agência de marketing digital Devumi, dos Estados Unidos, cria e vende contas infladas de seguidores para quem deseja se tornar um influenciador digital ou apenas fazer com que uma marca pareça relevante na rede social pelo número de pessoas que a seguem. Para adquirir 5 mil seguidores “ativos e de alta qualidade” no microblog, basta pagar US$ 49. Procurada pela reportagem, a Devumi não respondeu aos contatos para esclarecer se os seguidores são, de fato, pessoas ou bots.

No Brasil, não é diferente. Com facilidade, é possível encontrar sites que vendem seguidores. Pacotes de mil seguidores no Instagram chegam a custar R$ 25,90. Quem quiser resultados mais rápidos pode desembolsar R$ 1.599,90 por 100 mil fãs. “Comprar likes significa comprar um número. Você não impacta ninguém”, diz Patrícia Brazil, fundadora do Grupo It Brazil, empresa que conecta influenciadores digitais às marcas. “As pessoas querem ser famosas e buscam atalhos para isso.”

Apesar dos prejuízos bilionários, as fazendas de cliques estão sendo suplantadas por uma nova ameaça. A grande tendência agora, segundo DeMello, da PSafe, são as “fazenda de robôs”. Elas usam recursos de inteligência artificial para ensinar os bots a ser cada vez mais efetivos em seus ataques. Em vez de apenas acessar links e sites, eles conseguem enviar mensagens e até mesmo criar páginas falsas para enganar usuários e roubar dados, como números de cartões de crédito. “Esse tipo de ataque é muito pior em termos de consequência do que as fazendas de cliques”, afirma DeMello.

A caça aos robôs virtuais promete não ser fácil. Segundo a PSafe, a evolução da tecnologia fez com que o número de ataques bloqueados pelos softwares da empresa crescesse 70% em um ano. Em 2018, a empresa afirma que consegue impedir 1,1 milhão de invasões por dia. Para isso, a companhia trabalha com ferramentas que analisam o comportamento dos usuários na internet para identificarem as práticas que separam os humanos das máquinas. Depois, desenvolve soluções digitais para dificultar o trabalho dos bots. Apesar disso, DeMello é realista. “É uma corrida de gato e rato.”