Bastaram cem dias no poder, e não há mais dúvidas do por que George W. Bush gosta tanto de botinas de caubói. No melhor estilo chutes e pontapés, ele demole uma a uma antigas conquistas dos Estados Unidos, pisoteia tratados econômicos internacionais arduamente alcançados e cria tensões nos quatro cantos do mundo. Na quarta-feira, 2, Bush ressuscitou num discurso em Washington o projeto Guerra nas Estrelas, o escudo antimísseis de US$ 60 bilhões que protegeria os EUA dos ataques de ?Estados-párias? e reafirmaria a hegemonia bélica do país sobre o planeta. Argumentou aos líderes das grandes potências, em telefonemas preventivos disparados na antevéspera do anúncio, que sua intenção era se defender de ameaças vindas da Coréia do Norte, Líbia e Iraque. Na prática, a idéia restabeleceu o clima de corrida armamentista que se sabe como começa ? exatamente como Bush fez no seu redivivo telefone vermelho ?, mas não como termina.

?Os bushistas estão pedalando para trás e dando um recado claro: o planeta não está seguro nas mãos deles?, registrou o inglês The Guardian. Em casa, o New York Times lembrou que o lançamento do Sistema de Defesa Antimísseis (MDS, em inglês) leva os americanos ?a repensar o impensável?. Com ele, o governo americano diz com todas as letras que pretende rasgar o Tratado sobre Mísseis Balísticos, assinado com a então União Soviética em 1972, e que até hoje empresta relativa tranqüilidade a toda Europa. ?O tratado cultua o passado?, discursou Bush.

Antes mesmo de tirar da poeira da história a idéia original do presidente Ronald Reagan (1981-89), Bush comprou uma arriscada briga com a China. A interceptação de um avião espião americano dentro do espaço aéreo chinês, no dia 1º de abril, inaugurou uma escalada de agressões verbais com o governo comunista, dono do maior exército do planeta, que arremessaram as relações entre as duas potências nucleares de volta a um ponto de ebulição jamais visto nos últimos 20 anos. Na segunda-feira, 30, apenas dois dias antes de reabrir o pesadelo da guerra espacial, a Secretaria de Defesa emitiu ordem de suspensão de relações militares com a China. Foram necessárias 48 horas para que um porta-voz do Pentágono classificasse o gesto como ?erro? de um funcionário e recuasse do que parecia ser o prenúncio do rompimento total de relações. No governo de Bill Clinton, lembre-se, os dois países assinaram um acordo comercial que descortinava novos e melhores tempos. Agora, o que se vê, em velocidade estonteante, é a volta da rudeza. Resssabiadas, Rússia e China já anunciaram a intenção de assinar, em julho, um tratado de ?amizade e cooperação?, tal qual avisassem o caubói de que ele não está só.

O espírito inquieto e belicista de Bush já havia se manifestado antes de ele ter completado 15 dias na Casa Branca. Apoiado pela Inglaterra, ordenou um ataque aéreo punitivo ao Iraque. Em seguida, num gesto solitário, interpretado como um tapa no rosto dos líderes dos países desenvolvidos, levou os EUA a abandonar as negociações em torno da implantação do protocolo de Kyoto, que impõe limitações à agressão ambiental pelas indústrias. Reflexo: na quinta-feira, 3, os americanos perderam seu lugar entre os 53 integrantes da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que ocupavam desde a criação do grupo, em 1947. Dentro de suas fronteiras, enquanto a economia patina, Bush logo no primeiro dia de gestão se lembrou de cortar toda ajuda federal a qualquer instituição ou organização sem fins lucrativos que dê apoio ao aborto, mesmo em países subdesenvolvidos. Na mesma trilha, anunciou a vontade política de economizar recursos federais enviados a programas de amparo a crianças vítimas de abusos sexuais. Ainda não consumou o gesto. Ainda.

Colaborou Maysa Provedello