Se você é empresário ou executivo, contenha sua raiva ao ler isso. No fim do primeiro trimestre, a Berkshire Hathaway, empresa do bilionário americano Warren Buffett, divulgou que sua posição de caixa, que inclui dinheiro no banco e investimentos líquidos, era de US$ 99,75 bilhões (R$ 315 bilhões). Ele não é o único nessa situação. Tim Cook, CEO da Apple, chega todos os dias ao escritório pensando no que fazer com os mais de US$ 250 bilhões que a empresa possui em aplicações de curto prazo, sendo que 94% deles estão, por razões fiscais, fora dos Estados Unidos. Essa situação é relativamente comum entre os gigantes da tecnologia.

As maiores corporações não-bancárias americanas nunca tiveram tanto caixa disponível. Juntas, as seis maiores somam US$ 700 bilhões (observe os quadros ao lado). Segundo dados da Moody’s Investors Services, no fim de 2017, o total em aplicações de curto prazo das empresas abertas americanas superava US$ 1,7 trilhão. Parece inacreditável para os empresários que se esfalfam para melhorar a liquidez de suas empresas, mas, para essas companhias, e para seus investidores, tanto dinheiro no caixa é um problema. É fácil entender o motivo. Uma empresa existe para remunerar seus acionistas. Ao exercer sua atividade, ela obtém uma receita, desconta os custos e paga os impostos.

O que sobra é o lucro, que pode ter vários destinos. Pode ser reinvestido no negócio. Pode ser distribuído aos acionistas, como dividendo. Pode ser usado para uma aquisição, algo que Buffett faz há cinco décadas. Enquanto nada disso acontece, o capital fica parado. Nos Estados Unidos, onde os juros estão há tempos perto de zero, dinheiro no caixa rende quase nada, o que reduz o lucro e enfurece os acionistas. O próprio Buffett reconheceu isso, no encontro anual dos investidores da Berkshire, em maio. Um quase contrito bilionário confessou que tem feito menos aquisições do que gostaria. “Eu ficaria mais feliz se o telefone começasse a tocar”, disse ele.

A mais líquida de todas: Tim Cook, CEO da Apple: mais de US$ 250 bi em caixa, a maior posição entre as empresas americana (Crédito:Divulgação)

O que é uma inconveniência para os acionistas da Berkshire – ter caixa demais é um refrigério em comparação a não ter capital de giro – é um indicativo de um problema estrutural na economia americana. Mais de uma década de juros perto de zero mandou os preços das ações para perto de seus máximos históricos. A média do indicador mais conhecido do mercado, a relação preço x lucro, era de 24,3 na manhã da sexta-feira 11. Em português, isso indica que a compra de uma ação demoraria pouco mais de 24 anos para devolver o capital ao investidor, considerando apenas os dividendos. Descontando-se os picos que antecederam as bolhas das empresas de internet, em 2002, e a crise do subprime, em 2008, a média histórica desse indicador oscila entre 8 e 14. Assim, as ações americanas estão caras, e investir nelas está menos interessante.

As empresas de tecnologia conseguem contornar esse problema apostando em novos mercados, como computação em nuvem, internet das coisas e redes definidas por software, aplicação conhecida pela sigla SD-Wan. No início de agosto, a Cisco anunciou a aquisição da Viptela, uma companhia dedicada à SD-Wan, por US$ 610 milhões. “Esse é apenas o começo”, avalia Sue Marek, da empresa de análise americana SDXCentral. No entanto, a vasta maioria das corporações não conta com essa saída estratégica. Não por acaso, mais e mais gestores estão se preparando para uma desvalorização abrupta do mercado acionário americano. Segundo dados da Thomson Reuters, os fundos de ações cuja estratégia declarada é apostar na queda das cotações voltaram a atrair investidores.

No segundo trimestre, essas carteiras captaram US$ 413 milhões em dinheiro novo, o melhor resultado trimestral desde 2013. Os investidores tiraram dinheiro desses fundos em nove dos últimos 15 trimestres, mas agora pode ser o início de um movimento de reversão. Uma crise internacional, como a da Coreia do Norte (leia reportagem aqui), ou mesmo uma mudança na percepção dos investidores, pode disparar uma forte queda das ações. Para o investidor brasileiro, essa montanha de dinheiro à espera de algo para fazer pode representar uma boa oportunidade. Mesmo com a apreciação do real em relação ao dólar, as ações brasileiras estão comparativamente mais baratas que as de suas concorrentes americanas. Algo que pode atrair até mesmo alguém cauteloso com Warren Buffett.