Em um mundo onde as tendências ditam as regras, ainda é a tradição que mantém a atemporalidade. Pelo menos é o que mostrou a fabricante brasileira de brinquedos e jogos Estrela, empresa de 84 anos. Em 2020, a receita foi de R$ 138,6 milhões, resultado 23,2% acima do registrado no ano anterior e na contramão do mercado nacional – queda de 14%, de acordo com números do NPD Group. E o resultado da empresa poderia ser ainda melhor. “Sofremos com a falta substancial de insumos e, por isso, não conseguimos atender 100% dos pedidos”, afirmou o presidente da companhia, Carlos Tilkian. “Sem isso, o crescimento poderia ter chegado a 40%”.

Mas a estratégia da marca passa por outros territórios. O plano começa pelo lançamento de uma linha licenciada de roupas infantis em parceria com uma empresa de confecção. As peças, voltadas para recém-nascidos e crianças, darão continuidade ao movimento de diversificação, iniciado há quatro anos. “Redefinimos nossa estratégia focando na relação com a criança e com o adolescente”, disse Tilkian. “Queremos que a Estrela não seja mais vista apenas como uma empresa de brinquedos.”

Isso inclui o braço Estrela Cultural, responsável pela criação e publicação de livros interativos que mesclam leitura com brincadeiras e têm como objetivo reduzir o tempo gasto por crianças e adolescentes em dispositivos eletrônicos. Com um total de 60 obras publicadas e distribuídas em livrarias, lojas de departamento, clubes de livros e escolas privadas e públicas, o segmento representou 12% do faturamento da companhia em 2020. Nos últimos dois anos, 650 mil exemplares foram vendidos para escolas públicas.

NOVOS HÁBITOS A diversificação foi uma exigência a partir da mudança de comportamento que levou ao crescente afastamento das meninas em relação ao mercado de bonecas. Isso fez com que a empresa incluísse na estratégia de ampliação de portfólio a entrada no mercado de beleza. Dois anos de pesquisas levaram à produção de itens como batom, blush e esmaltes voltados ao público infantil. Com uma expectativa de grande potencial de crescimento para o segmento, responsável por 8% do faturamento de 2020, Carlos Tilkian afirma que não se trata de um incentivo à vaidade precoce. “O que queremos é desconstruir padrões de beleza”, afirmou o executivo. O caminho de diversificação, na opinião do especialista em transformação digital e experiência do cliente Fernando Moulin, é inteligente e crucial para que a Estrela se mantenha relevante no mercado. “Ela já possui uma memória afetiva do consumidor, e agora passa a estar em diferentes situações”, disse Moulin.

Com a diversificação, a fabricante repensou inclusive a estratégia de distribuição, optando por entrar no varejo ao abrir lojas próprias. Atualmente, são três unidades na cidade de São Paulo – uma quarta deve ser inaugurada em julho, também na capital paulista. A elas se somará o projeto de expansão por franquias, que seria colocado em prática em 2020 e foi adiado para o ano que vem. “Estimamos alcançar em torno de 250 lojas por todo o Brasil no período de cinco a seis anos”, afirmou Tilkian.

Ele também está confiante com o mercado nacional de brinquedos. Isso porque o dólar em alta, o aumento gradual do frete internacional e o atraso na produção chinesa em decorrência da pandemia garantiram mais competitividade ao mercado brasileiro. Com três fábricas no País, Tilkian comemora esse cenário, mas prevê uma realidade mais desafiadora para o futuro. Parte desse receio vem da decisão, tomada no final do ano passado pelo Ministério da Economia, de reduzir de 35% para 20% a tarifa de importação de brinquedos. Essa redução será feita de forma fracionada, mas é obviamente criticada pelo presidente da Estrela. “Começar (o modelo liberal) pelo final como o governo faz me assusta e, particularmente, acho um equívoco brutal”, afirmou. À parte os desafios setoriais, dentro de casa a Estrela decidiu que para continuar se destacando no jogo nada pode ser como antes.