Treinar vendedores é parte fundamental do trabalho de muitas empresas. Mas algumas delas resolveram fugir do script tradicional de palestras motivacionais ou aulas burocráticas e chatas. A montadora japonesa Nissan, por exemplo, adotou uma estratégia completamente fora do usual. Ela desenvolveu um jogo eletrônico de computador, no qual o funcionário precisa interagir com um cliente fictício. Dependendo de suas respostas, o empregado enfrenta diferentes cenários, da mesma forma que uma disputa em um videogame tradicional.

Composta por dez etapas, em que cada uma dura um mês, essa estratégia prepara os vendedores nos aspectos de relacionamento com o público e conhecimentos sobre os produtos. Para motivá-los, a empresa divulga rankings com os melhores jogadores de cada loja do País. Ao final de todas as fases, há uma cerimônia para o reconhecimento formal do melhor vendedor da empresa no Brasil. “A gamificação já fazia parte da estratégia da Nissan muito antes de eu saber o que era isso”, afirma Lilian Poppi, gerente sênior de treinamento e qualidade do cliente da montadora japonesa.

A Nissan é um exemplo de companhia que usa técnicas de videogame para melhorar seus processos ou treinar seus funcionários. Chamada de gamificação, essa estratégia começa a ganhar o coração e mentes de diversas empresas, pois acrescenta aspectos lúdicos e de competição a processos que são muitas vezes sonolentos. O objetivo é engajar, comprometer e recompensar os usuários. “O dinamismo que as estratégias de jogos trazem para o aprendizado e o engajamento de pessoas é enorme”, afirma Michel Musulin, diretor geral da MicroPower no Brasil, empresa que fornece soluções que utilizam aspectos de jogos nos mais diversos processos de uma empresa, entre elas a Nissan.“É um novo conceito de dinâmica no aprendizado corporativo.”

A gamificação é uma brincadeira de gente grande que deve movimentar somas bilionárias. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa britânica M2 Intelligence, a ferramenta vai movimentar US$ 5,5 bilhões no mundo em 2018. Essa soma inclui o valor que os fornecedores de soluções ganharão ao vender seus sistemas para as empresas. E cada caso é um caso, pois não existe um produto de prateleira que funciona para todas as companhias. Os fornecedores desenvolvem o game sob medida para o seu cliente. A Nice, por exemplo, faz games para a área de contact centers.

“Sempre que for possível modelar a produtividade e os objetivos de negócio das organizações, será possível também aplicar gamificação individual ou por equipes naquele ambiente”, afirma Ingrid Imanishi, gerente de soluções avançadas da Nice. A Matchbox, empresa que atua em serviços de gamificação para seleção de novos funcionários, por sua vez, resolveu atuar em processos seletivos. Em vez de testes com dezenas de perguntas ou dinâmicas de grupo enfadonhas, a empresa propõe um jogo para conhecer e melhoras as habilidades dos candidatos a uma vaga de emprego. “Eles não vão mais precisar atravessar a cidade várias vezes para participarem de diversas etapas dos processos de contratação de uma empresa”, diz Kleber Piedade, CEO da startup Matchbox.

As estratégias das empresas são as mais variadas. Confira o exemplo da Stefanini, que atua na área de serviços de tecnologia, com 22 mil funcionários em 40 países. A empresa criou jogos de computador que testam o conhecimento de seus empregados sobre a história da companhia e sobre o trabalho para o qual foram contratados. “Montamos uma plataforma virtual para a transformação digital dos funcionários”, diz Breno Barros, diretor de inovação digital da Stefanini. Para o executivo, a grande vantagem da adoção da tecnologia é que ela se tornou uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que o profissional se atualiza, a empresa passa a identificar em quais aspectos precisa melhorar seus treinamentos.

Jogo moderno: “É um novo conceito de dinâmica aprendizado corporativo”, diz Michel Musulin, diretor da MicroPower no Brasil (Crédito:Gabriel Reis)

A siderúrgica Gerdau resolveu levar a inovação para um passo ainda mais elevado e a combinou com o uso da realidade virtual. Utilizando um simulador e um controle, os funcionários são inseridos dentro da área industrial e precisam realizar as tarefas no videogame. Além de medir a aptidão deles para as atividades, o jogo também ajuda a empresa a conferir o estado emocional dos empregados. Apesar de ser uma tendência no ambiente corporativo, os benefícios da gamificação ainda não são claros.

A Gerdau, por exemplo, diz que tornou o processo de treinamento mais rápido com o uso de visores de realidade virtual que simulam o ambiente das fábricas. “Antes gastávamos uma hora e meia com filmes e conversas”, afirma Claudia Zanchi Piunti, diretora de tecnologia da empresa. “Hoje esse tempo é de apenas 18 minutos.” A Nissan diz que 70% de seus vendedores já participaram do jogo, algo em torno de 600 funcionários. Mas não sabe contabilizar com precisão os resultados. Lilian, da Nissan, acredita que a dinâmica ajuda a melhorar os treinamentos. “Se percebemos que existe uma carência de conhecimento em um determinado assunto, focamos nele”, diz a executiva da montadora japonesa.

Os analistas indicam que não dá para usar essa estratégia em todas as situações. De acordo com Caio Arnaes, gerente sênior da consultoria de recursos humanos Robert Half, é preciso analisar com cuidado os funcionários da equipe antes de investir na ideia. “Empregados que não são competitivos ou que não se dão bem com jogos podem não gostar de treinamentos deste tipo”, afirma Arnaes. O especialista ainda faz outro alerta: a gamificação deve ser utilizada como uma ferramenta adicional e não como uma revolução no método de contratação e treinamento de funcionários. “Ela pode ajudar, mas não substituir.” Assim como na vida, tem gente que não gostar de brincar. Para todos os outros, a gamificação pode ser um bom negócio.