Apesar de o economista John Maynard Keynes (1883-1946) ter chamado o padrão-ouro de uma “relíquia bárbara” já no início do século passado, o brilho dourado do metal ainda atrai os investidores em momentos de tensão. E os últimos dias de junho confirmaram essa regra. Na terça-feira 25, as cotações do ouro no Brasil e no mercado internacional bateram recordes. Por aqui, o grama negociado na B3 fechou a R$ 175, maior valor desde o início do Plano Real, em 1994. Em Nova York, onde se concentra a maioria dos negócios, a onça-troy (28,8 gramas) fechou a US$ 1.426, nível mais alto desde 2013.

O que justificou a alta do ouro foi o aumento da tensão internacional, especialmente entre Estados Unidos e Irã. No dia 20 de junho, o presidente americano Donald Trump ordenou um ataque ao país do Oriente Médio, apenas para mudar de ideia dez minutos depois. O ataque seria uma reação à derrubada, pelo Exército iraniano, de um drone militar americano. Na quarta-feira 26, Ali Khamenei, líder religioso e político do Irã, disse serem “inúteis” as negociações com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que fez alusões ao desenvolvimento de armas nucleares. “Tudo isso leva a crer que a tensão no Oriente Médio vai demorar para se dissipar”, diz David Hewitt, analista do banco australiano Macquarie. Para ele, ainda vai levar tempo até que haja uma distensão nas relações dos Estados Unidos com os países da região. Em momentos como esse, os investidores voltam-se para ativos reais, como petróleo – cujos preços chegaram a subir 10% no início da semana – e ouro.

BANCOS CENTRAIS Os bancos centrais também tiveram sua participação nesse movimento. Parte da influência foi ativa, comprando ouro. Segundo um relatório do banco alemão Commerzbank, divulgando na terça-feira, os BCs da China, da Índia e da Rússia têm ido às compras nos últimos dias de junho. Esse movimento não é de hoje. Há poucas estatísticas confiáveis, Porém, no fim de maio, dado mais recente disponível, o BC chinês anunciou que suas reservas haviam subido para 1.886 toneladas de ouro.

As compras naquele mês haviam sido de quase 16 toneladas. A estimativa do mercado, porém, é que as reservas chinesas do metal sejam muito maiores, pois o BC adquiriu 651 toneladas em 2018, e mais 74 toneladas nos cinco primeiros meses de 2019. “Os BCs da Índia e da Rússia adotam comportamentos parecidos”, diz Mauriciano Cavalcante, diretor da corretora Ourominas, uma das maiores corretoras de ouro do Brasil. Por isso, os BCs são formadores de tendência. Ao perceber seu apetite, os especuladores compram ouro antecipadamente para revendê-lo com lucro.

Os BCs também influenciaram o mercado por indicarem que podem baixar os juros. Nos Estados Unidos, Trump tem pressionado por um corte nas taxas, chamando o Federal Reserve (o BC americano) de “criança mimada”. Juros em baixa indicam uma atitude mais tolerante com a inflação e elevam a demanda especulativa por ouro, visto como uma reserva de valor em momentos de aceleração da inflação.

Até onde esse movimento pode ir? O ouro é uma commodity cujo comportamento é difícil de prever. Além dos solavancos do mercado internacional, as cotações do metal no Brasil estão diretamente vinculadas ao dólar. Mesmo assim, Cavalcante avalia que há espaço para novas altas. Segundo ele, ao longo dos últimos cinco anos, o ouro foi uma das commodities cujos preços mais subiram. As cotações do dólar avançaram 73,4% nesse período, ao passo que o grama do metal negociado na B3 ficou 86% mais caro. No mercado internacional, a onça subiu 38% nesse período. “O ouro é um ativo de segurança, cuja procura aumenta em momentos de tensão”, diz ele.

Vale a pena investir? O ouro é um ativo especulativo e com uma dificuldade adicional: é um mercado pequeno e dominado por profissionais. Assim, o investidor deve evitar movimentos especulativos de curto prazo e pensar em uma estratégia de diversificação de longo prazo. “Comprar ouro como investimento é muito diferente de comprar jóias”, diz Cavalcante.