Subordinado ao Ministério da Fazenda, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é a última esperança dos contribuintes que contestam as mordidas do Leão. Suas atividades começaram em fevereiro de 2009 e, desde então, o Conselho tem estado bastante ativo. Só no ano passado, os cerca de 130 conselheiros titulares e suplentes, liderados pela presidente Adriana Gomes Rêgo, julgaram 77 mil processos, apenas parte dos 249,7 mil em estoque, que discutem um contencioso estimado em R$ 575 bilhões. O maior deles é uma cobrança de R$ 26,6 bilhões enviada ao Itaú Unibanco. A disputa teve seu lance mais recente no dia 18 de junho, quando o banco conseguiu, na Justiça, uma liminar para impedir que a Câmara Superior do Carf analisasse um recurso da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

É uma das raras ocasiões em que questionamentos fiscais são levados à esfera judicial. Os processos no Carf normalmente correm sem que ninguém, exceto os envolvidos, perceba. O recurso à Justiça mostra que os grandes contribuintes vêm buscando se defender de cobranças mais duras da Receita. E o Carf tem mostrado uma face menos amigável. Coincidentemente ou não, isso vem ocorrendo depois dos desdobramentos da Operação Zelotes, deflagrada em 2015 para investigar corrupção e formação de quadrilhas no Conselho para beneficiar as empresas. Até o momento, 14 pessoas foram indiciadas, entre elas Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda.

A disputa do Itaú Unibanco não é o único caso relevante. No dia 20 de junho, o Conselho julgou uma multa de R$ 1,5 bilhão aplicada à Unilever. A multinacional cindiu suas operações em duas empresas, uma industrial e outra comercial. A industrial vende os produtos mais barato para a unidade comercial, que os revende. A empresa industrial, que paga impostos mais elevados que a comercial, lucra menos e isso reduz o tributo a pagar. Essa estrutura não era inédita, era considerada legal e vinha sendo usada por grandes corporações há décadas. No entanto, a Receita resolveu contestar o procedimento. “A fiscalização tem forçado a interpretação das normas para poder autuar os contribuintes”, diz Samir Choaib, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados. A Unilever, que não comenta o assunto, deve recorrer.

Adriana Gomes Rêgo, presidente do Carf: 249,7 mil processos em análise (Crédito:Divulgação)

Outra gigante a brigar foi a Gerdau. Uma das subsidiárias da siderúrgica, a Gerdau Aços Especiais, foi multada em R$ 367 milhões por ter usado, incorretamente, ágio para abater impostos a pagar entre 2005 e 2010. A Receita questionou a origem do ágio, uma reorganização societária realizada em 2004. A 16ª Vara Federal de Porto Alegre reverteu a decisão no início de maio. Procurada, a Gerdau não comentou.

O caso do Itaú Unibanco é mais complexo. A fusão anunciada em novembro de 2008 unificou dois bancos de tamanhos diferentes, pois o Itaú era quase o dobro do Unibanco, e gerou um enorme ganho de capital para os donos da instituição menor. Sobre esse lucro incidem Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) que, no caso dos bancos, tem uma alíquota de salgados 45%. Na união, a família Moreira Salles transferiu suas ações, que estavam em uma holding, a E. Johnston Participações, para uma nova empresa, a Itaú Unibanco Holding. Aí reside a divergência entre o banco e o Fisco. Para a Receita, essa transferência foi uma venda e o lucro é tributado. Para o banco, a transferência foi uma incorporação entre empresas com os mesmos controladores, em que o lucro não é tributado. A diferença é sutil e a discussão vem se arrastando desde 2013.

Na primeira instância da tramitação, um colegiado composto apenas de auditores fiscais deu razão à Receita. Na segunda, em que há tanto conselheiros indicados pelo Fisco quanto representantes de sindicatos e associações, o banco venceu por um voto. A Fazenda recorreu. A disputa foi então para a Câmara Superior, a última instância do Carf. Foi então que o Itaú obteve uma liminar para impedir essa avaliação. Agora, o banco deverá recorrer à Justiça comum. A decisão deve demorar. Segundo Joaquim Rolim Ferraz, sócio do escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz Advogados, o mais provável é que a questão chegue ao Superior Tribunal de Justiça. “A decisão final pode demorar uns dez anos para sair”, diz ele.

Ferraz afirma que, no caso da fusão, foram usados procedimentos legais e societários previstos na lei e consagrados pela jurisprudência. “No entanto, a Receita Federal entendeu que as diversas etapas do negócio foram organizadas de modo a não pagar imposto”, diz ele. “Essa hipótese não considera a maneira de atuar dos dois bancos, que são extremamente conservadores em sua gestão e têm mostrado que seguem as regras à risca.” Procurado, o Itaú Unibanco afirmou que “entende que o processo administrativo julgado a seu favor no Carf está encerrado e que, portanto, não caberia nova análise”. O banco classifica o recurso da Fazenda como “incabível”.