A Arábia Saudita pretende se tornar uma referência global de excelência em várias frentes. Para isso, criou o projeto Visão 2030. O ambicioso plano de desenvolvimento contém tanto metas abrangentes ­— uma delas é saltar da 19ª para 15ª posição entre as maiores economias do mundo — quanto pontuais, como fortalecer a segurança alimentar. Nesse quesito, reduzir a dependência de importações de carne de frango é estratégico. E essa é uma das razões para a formação da joint venture entre o Public Investment Fund (PIF), o fundo soberano do país, que é um dos maiores do mundo, e a brasileira BRF, líder na produção global de carne de frango.

Atualmente, a BRF mantém uma fábrica na Arábia Saudita, dedicada ao processamento de matéria-prima fornecida por suas unidades brasileiras. Com a joint venture, ela assumirá o pacote completo da produção de frangos no país, da criação das aves à venda de produtos frescos, congelados e processados. Terá 70% de participação na nova empresa, criada com investimento inicial de US$ 350 milhões. Por meio da Sadia, a BRF já responde por 36,3% do mercado total de carne de frango no Oriente Médio, segundo informações da agência de notícias Bloomberg. Em período de silêncio exigido por órgãos reguladores, a BRF não concedeu entrevista.

Levando-se em conta as ambições da Arábia Saudita em relação ao mercado de carne de frango, o horizonte da BRF é bem amplo. Conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o consumo interno do país em 2021 passou de 1,5 milhão de toneladas, enquanto a produção local foi de 920 mil toneladas. Para a conta fechar é preciso importar boa parte da demanda. É aí que faz diferença o Visão 2030: a meta é reduzir para 20% o volume de importação, elevando a produção interna para 1,2 milhão de toneladas.

Essas mudanças ajudam a explicar a queda de 20% na compra de carne de frango brasileira pelos sauditas. Em 2020, importaram mais de 418,7 mil toneladas, mas no ano passado esse volume foi de 333,6 mil toneladas. Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, a redução é consequência de uma decisão soberana do país. “Mas nada impede que o mercado árabe como um todo continue sendo um grande importador”, afirmou. Tanto que, de 2020 para 2021, os Emirados Árabes trocaram de posição com a Arábia Saudita no ranking de maiores importadores de carne de frango do Brasil, assumindo a terceira colocação.

MERCADO HALAL De acordo com o presidente da ABPA, o campo de oportunidades para a indústria brasileira de carne de frango junto à comunidade internacional islâmica é promissor. O Brasil já é o maior fornecedor global de proteína halal, que exige cuidados especiais desde a criação até o abate. “No total, as exportações de carne halal passam de 1 milhão de toneladas”, disse Santin. Segundo ele, essa demanda é significativa mesmo em localidades onde o islamismo não é a religião dominante.

Se depender da entidade, a operação do Brasil no mercado halal seguirá avançando. Entre os dias 13 e 17 de fevereiro, representantes da ABPA estarão em Dubai, na Gulfood, uma das principais feiras internacionais do setor de alimentos, para reforçar a relação comercial que já é uma tradição. “Nos últimos 20 anos, as exportações para a comunidade islâmica passaram de 24,5 milhões de toneladas, quase 1 milhão de contêineres”, afirmou Santin.

MUDANÇAS NA INDÚSTRIA DE PROTEÍNA ANIMAL

A BRF planeja chegar ao final desta década com receita líquida de R$ 100 bilhões. Para isso, terá de reduzir sua dívida líquida, que em setembro de 2021 passava de R$ 16 bilhões. Os acionistas da empresa liberaram uma oferta pública de 325 milhões de ações e ADRs (recibos de ações negociadas nos Estados Unidos), o que pode gerar receita próxima de R$ 8 bilhões, dependendo do valor em bolsa. E também pode abrir caminho para que a Marfrig, que já tem 31,66% da BRF, assuma o controle da empresa.

Enquanto isso, a JBS, maior empresa do setor, se movimenta. Ela acaba de anunciar seu novo presidente no Brasil: Gilberto Meirelles Xandó Baptista, ex-CEO da Vigor Alimentos. Sua cadeira no Conselho de Administração será ocupada por Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, como membro independente. Ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Araújo faz parte dos conselhos da Brasilprev e da FGV.