Wishful thinking (pensamento desejado) é o termo em inglês usado para designar quando alguém faz uma previsão que é muito mais um desejo do que uma estimativa realista. O Brexit foi vendido para os britânicos com altas doses de wishful thinking. Com poucas ferramentas para entender o real impacto e as diversas variáveis que atingirão a nação depois de deixar a União Europeia, os políticos favoráveis ao processo prometeram resultados que são improváveis de serem cumpridos, como um renascimento industrial e econômico poderoso do país. Mesmo os críticos da separação com o bloco europeu sabem que os impactos negativos que preveem são difíceis de estimar. Ainda mais porque diversos cenários de separação eram possíveis. É só ver a expectativa de longo prazo dos especialistas para o PIB pós-Brexit, em comparação com o cenário em que a separação não acontecesse. Vão desde um PIB 30% menor – previsto pelo Rabobank, caso o Reino Unido receba pela UE tratamento igual aos das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ela concede a qualquer país do mundo com o qual não tenha acordo de livre comércio – até PIB 4% maior se o governo britânico conseguir negociar um acordo unilateral, na avaliação do grupo Economistas pelo Livre Comércio.

Ou seja, as diversas previsões para os diversos cenários variam em 34 pontos percentuais. “O impacto de longo prazo do Brexit vai depender do grau de proximidade do relacionamento entre o Reino Unido e a UE. Quanto mais distante, maior será o impacto no comércio e na atratividade de investimento direto estrangeiro”, diz Andrew Goodwin, analista da Oxford Economics. “E, se parecer prováveis níveis menores de imigração, isso também vai prejudicar as estimativas de crescimento.” A Oxford Economics espera, para 2030, um PIB 4% menor se o Reino Unido ficar à mercê das normas da OMC, em comparação com o país ter permanecido na UE. Mas, se um acordo de livre comércio for conseguido, a expectativa é de 3% menor.

NOVOS MERCADOS Ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre potenciais negócios a serem realizados com o Reino Unido após saída da UE. (Crédito:Christian Clavadetscher)

PRIMEIROS PASSOS Agora, essa incerteza toda começará a ser desfeita. Em janeiro, o Parlamento britânico aprovou a proposta de Brexit do primeiro-ministro, Boris Johnson. Foi uma importante vitória do governo, apesar do aumento das garantias dos imigrantes dadas pela Câmara dos Lordes, na qual o Partido Conservador do premiê não tem a maioria. Na quarta-feira 29, o Parlamento Europeu ratificou os termos do Brexit, que passa a estar em vigor em fevereiro. Com a aprovação, agora é chegada a hora. E até o Brasil deve entrar no radar. Durante o Fórum Econômico Mundial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se encontrou com o seu par britânico e eles conversaram sobre a criação de um acordo de livre comércio entre os dois países. Isso só deve acontecer depois de todos os detalhos do processo de Brexit terem sido resolvidos, mas tem grandes chances de se dar de modo mais ágil que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia – que apesar de acertado, depende de aprovação de todos os países europeus.

O Brexit remove algumas incertezas, mas continuarão afetando as empresas que aguardam para investir antes de terem mais certeza de como serão as relações com o bloco europeu e também a libra esterlina, que se enfraqueceu durante toda a turbulência política, pressionando a inflação e prejudicando o consumo. Esses impactos podem prejudicar a recuperação econômica, que na segunda metade do ano passado foi a mais vigorosa desde a crise de 2008. O crescimento nominal da renda anual, do segundo semestre de 2019 frente ao mesmo período de 2018, atingiu o seu pico em uma década. E o desemprego caiu para o mais baixo em 40 anos. “Esperamos que as negociações sejam mais desafiadoras e levem mais tempo do que o governo imagina”, afirma Goodwin. “O mais importante tópico serão as barreiras não-tarifárias.” Afinal, as taxas de importação da UE são baixas, mas as empresas exportadoras britânicas poderão encontrar outras formas de barreiras. Em especial, em setores importantes, como o químico, de alimentos e bebidas, e aeroespacial. “Para evitar prejudicar esses setores, o Reino Unido precisará negociar um bom acesso de mercado, mas terá de fazer concessões em outras áreas”, diz o analista.

“Quanto mais distante o Reino Unido ficar da União Europeia, sofrerá maior impacto no comércio global” Andrew Goodwin Analista da Oxford Economics.

Para não perder força política, o governo responderá fechando acordos com outros países, como o Brasil, para demonstrar que continua uma força global mesmo fora da UE. Também pode precisar estimular a economia. Nesse terreno, deverá lidar com a dificuldade de ação devido aos impactos negativos econômicos do Brexit estarem focados na oferta, por conta da indecisão dos investidores. Dessa forma, estimular a demanda por meio de juros mais baixos pode trazer poucos benefícios e ainda piorar a inflação. O governo britânico terá um esforço complexo pelos próximos tempos, com o qual Guedes e o Brasil podem dar uma pequena contribuição.