Medo de contas mais altas, oferta menor e obstáculos à transição energética. Será que o Brexit, que se materializa na próxima sexta-feira (31), perturbará o mercado da eletricidade no Reino Unido?

– Fluxo energético –

O Reino Unido depende, em larga medida, da União Europeia para o seu abastecimento. Em 2018, sua produção própria de energia elétrica caiu 1,6%, conforme os últimos dados disponíveis. Isso aconteceu, em parte, devido à eliminação gradual das centrais de carvão, que ainda não foi totalmente compensada com o aumento da energia eólica.

Como consequência, aumentaram as importações de eletricidade e de gás, principalmente da França, da Holanda e da Irlanda. Agora, representam quase 40% do consumo de energia do país.

Portanto, a iminente saída da UE e do mercado único de energia coloca, inevitavelmente, riscos para uma rede frágil, como demonstrou o gigantesco apagão de agosto.

Além disso, não está claro se a eletricidade faz parte das negociações com Bruxelas este ano, e um acordo sobre este setor pode atrasar.

As autoridades britânicas garantem que será necessário estabelecer “acordos comerciais alternativos”, sem dar mais detalhes.

Assim como em outras áreas, como as finanças, precisarão obter equivalências para poder exportar, ou importar, energia. Uma possibilidade é, por exemplo, chegar a um acordo sobre normas e emissões de CO2, de modo que os países que produzem eletricidade mais limpa e mais cara não sejam prejudicados.

A autoridade elétrica do Reino Unido (OfGem) assegura que, mesmo se as conversas comerciais fracassarem, não haverá “nenhuma interrupção nos fluxos de eletricidade e gás”.

Se não houver um acordo setorial ao fim das negociações comerciais no final de 2020, a UE poderá, no entanto, dar preferência a seus países-membros em caso de picos de demanda, ondas de calor, ou frio extremo, disse à AFP Weijie Mak, gerente de projetos da empresa de pesquisa Aurora.

– Risco de contas elevadas –

Com a incerteza em relação às equivalências, o possível retorno às cotas, ou a eventuais direitos tarifários, se as negociações comerciais fracassarem, o comércio de energia com a Europa pode encarecer, com o risco de “contas mais altas para os consumidores”, explica Joseph Dutton, do “think tank” E3G.

O comércio de energia elétrica entre a UE e o Reino Unido se baseia em um sistema de leilões, e não se descarta que no futuro se instale algum tipo de preferência para os países-membros.

Sem se esquecer do impacto que uma nova queda da libra teria nas faturas.

A associação de promoção da energia verde Eurelectric descreve o Brexit como uma situação em que “todos perdem” – tanto o Reino Unido quanto a UE.

– A transição energética –

Devido às incertezas sobre a futura equivalência e o comércio transeuropeu, questiona-se o futuro de alguns projetos de parceria energética sob o canal da Mancha, ou sob o mar do Norte, especialmente com a França.

Estas conexões elétricas são vitais para a segurança energética do Reino Unido.

“Proporcionam menos de 10% da oferta, mas permitem equilibrar a demanda e a oferta”, afirma Dutton.

Com o auge das energias renováveis e, em particular, da energia eólica marinha, será necessário poder contar com um abastecimento externo, se não houver vento e, do mesmo modo, poder exportar o excedente que não possa ser armazenado em massa, diferentemente dos hidrocarbonetos.

Nesse sentido, ter menos interconexões pode atrasar a transição energética do Reino Unido, que se comprometeu a alcançar a neutralidade em matéria de carbono até 2050. O país pode ter de adiar o fechamento de suas centrais elétricas de gás para que funcionem como o “plano B” energético.

Além disso, afirma Mak, o Reino Unido aplica um imposto sobre o carbono em relação aos preços da eletricidade para financiar sua transição energética e poderá decidir retirá-lo, se as contas dispararem.