Um voluntário brasileiro da pesquisa da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca morreu por complicações da covid-19. A empresa não divulgou se o homem recebeu o imunizante em teste ou o placebo, mas fonte envolvida no estudo afirmou à reportagem que ele estava no segundo grupo.

A morte foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão diz ter sido comunicado sobre o óbito na segunda-feira, 19. De acordo com a agência, o Comitê Internacional de Avaliação de Segurança do estudo, formado por pesquisadores independentes, fez uma investigação sobre o caso e concluiu que a pesquisa pode seguir em andamento.

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A Anvisa diz ter recebido as informações e ainda analisa o caso, mas é improvável que interrompa o estudo depois de o comitê de especialistas concluir que não há risco para os voluntários. “É importante ressaltar que, com base nos compromissos de confidencialidade ética previstos no protocolo, as agências reguladoras envolvidas recebem dados parciais referentes à investigação realizada por esse comitê, que sugeriu pelo prosseguimento do estudo. Assim, o processo permanece em avaliação”, disse a Anvisa.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) também recebeu esclarecimentos dos pesquisadores e deve decidir pelo seguimento da pesquisa. De acordo com Jorge Venâncio, coordenador do órgão, pesquisas são interrompidas geralmente por dúvidas quanto à segurança do produto testado. Mesmo que o voluntário estivesse no grupo vacinado, o fato de ele ter adoecido estaria mais relacionado ao aspecto de eficácia do imunizante.

“Problemas de eficácia não levam à interrupção do estudo.

Primeiro, porque nenhuma vacina é 100% eficaz. Segundo, porque o estudo clínico é justamente para ver essa questão: qual foi a incidência da doença em cada grupo e analisar se a vacina funciona”, destacou.

Em nota, a Astrazeneca informou que não pode comentar casos individuais do estudo clínico em andamento da vacina. A empresa afirma que obedece estritamente a confidencialidade médica e regulamentações relativas a estudos clínicos.

O texto afirma ainda que “todos os eventos médicos significativos são avaliados cuidadosamente pelos investigadores do estudo, um comitê independente de monitoramento de segurança e autoridades regulatórias”. Ainda conforme a Astrazeneca, “essas avaliações não levaram a quaisquer preocupações sobre a continuidade do estudo em andamento.”

A própria Universidade de Oxford, onde a vacina foi desenvolvida, divulgou nota oficial dizendo que “depois de uma cuidadosa análise do caso no Brasil, não há preocupações sobre a segurança do ensaio clínico”. A nota diz ainda que “uma revisão independente, além da feita pelo órgão regulamentador brasileiro, recomendou a continuidade do teste”.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), responsável por coordenar os testes clínicos da vacina no Brasil, divulgou nota na mesma linha. Disse que o estudo avança como o esperado, “sem ter havido qualquer registro de intercorrências graves relacionadas à vacina envolvendo qualquer um dos voluntários participantes”. Disse ainda que, até agora, 8 mil dos 10 mil voluntários que serão recrutados já tomaram ao menos uma das doses da vacina em teste

A instituição se solidarizou com a família da vítima e afirmou que, por haver compromissos de sigilo e confidencialidade com relação aos dados dos voluntários, a coordenação do estudo no Brasil não pode divulgar identidade nem outras informações do participante.

Participante de pesquisa era médico carioca recém-formado

O voluntário na testagem da vacina da AstraZeneca no Brasil era um médico carioca, recém-formado, de 28 anos, que trabalhava na linha de frente do atendimento a covid-19 em hospitais públicos e particulares no Rio. Ele adoeceu em setembro e morreu na quinta-feira, 15, de complicações decorrentes da doença. O participante do estudo não tinha comorbidades.

Em nota, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde o médico se formou em julho do ano passado, disse que, embora ele tivesse acabado de se diplomar, “não poupou esforços para atuar no enfrentamento da pandemia de covid-19”. O médico se formou com a distinção “cum laude”, quando tem um coeficiente de rendimento acumulado igual ou maior que 8. Sua nota final foi 8,7.

Imunizante é testado desde junho

A vacina de Oxford está sendo testada no Brasil desde junho. A estimativa é que 10 mil voluntários brasileiros sejam incluídos no braço nacional do ensaio clínico. Metade deles tomará duas doses da vacina em testes e a outra metade receberá placebo.

A Anvisa informou que, “segundo regulamentos nacionais e internacionais de Boas Práticas Clínicas, os dados sobre voluntários de pesquisas clínicas devem ser mantidos em sigilo, em conformidade com princípios de confidencialidade, dignidade humana e proteção dos participantes” e disse estar “comprometida a cumprir esses regulamentos, de forma a assegurar a privacidade dos voluntários e também a confiabilidade do país para a execução de estudos de tamanha relevância”.

Em setembro, os testes com esta vacina foram suspensos por alguns dias em todo o mundo depois que um participante apresentou reações adversas sérias. De acordo com o jornal The New York Times, o participante teve mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e costuma ser desencadeada por infecções virais. O ensaio clínico foi retomado em alguns países, entre eles o Brasil, depois que se observou que a relação benefício/risco se mantinha favorável, conforme informou a Anvisa.

É considerado normal em testes de vacinas suspensões temporárias para avaliação de quaisquer suspeitas sobre a segurança do produto.

Nos Estados Unidos, a retomada dos ensaios clínicos estava prevista para ocorrer nesta semana após o FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora do país, completar sua análise de uma doença grave desenvolvida por um dos participantes do estudo.