Se governos de países pudessem ser comparados a pessoas comuns, o Brasil seria aquele conhecido perdulário que ganha bem, gasta mal e vive pendurado no cartão de crédito, no cheque especial e pagando elevadíssimas taxas de juros. Um cliente de risco. E o pior: ele vai comprometer ainda mais a renda com dívidas nos próximos anos. A comparação resume a constatação da consultoria britânica Janus Henderson, que elaborou o Índice de Dívida Soberana 2021. O problema nem foi a taxa de crescimento da dívida brasileira durante a pandemia. Nesse período, ela subiu 27,2% — menor do que em outros países da América Latina e também abaixo da média de 37,8% nos Mercados Emergentes. O problema é que o País tem a segunda maior proporção de dívida em relação ao PIB entre os emergentes, atrás apenas da Argentina. O País terminou 2021 com um estoque da dívida de 82% do PIB. O mesmo estudo projeta que a proporção alcance 90% até 2025, patamar que faz investidores se preocupem com a sustentabilidade da dívida.

O relatório, que acompanha o endividamento dos governos em todo o mundo e identifica as oportunidades de investimento que isso apresenta, também ilustra a degradação da dinâmica da dívida per capita. Em 2021, o Brasil tinha uma dívida média de US$ 5.880 por pessoa. Até 2025, o estudo prevê que o número chegue a US$ 6.668. Bethany Payne, head de títulos globais da Janus Henderson, afirma que a pandemia teve um enorme impacto sobre os empréstimos do Estado, e que os efeitos negativos serão vistos por muito tempo ainda. “Na América Latina, muitos governos responderam à crise sanitária com políticas fiscais ambiciosas para apoiar suas populações e economias, mas, em alguns casos, esses gastos criarão desafios para a dinâmica da dívida pública nos próximos anos”, disse.

O crescimento da dívida soberana durante a pandemia foi constatado em todo o mundo — mas particularmente nos mercados emergentes. Enquanto a maior parte do crescimento nominal da dívida desse grupo em 2021 foi impulsionada pela China, que viu um aumento líquido de US$ 650 bilhões em sua dívida soberana e foi o maior salto na dívida nominal de qualquer país no ano passado, a dívida global dos emergentes cresceu 14,8% no ano passado, em comparação com a média global de 7,8%.

O ANO DAS CRISES Na América Latina, houve uma grande variação no custo das estratégias econômicas dos governos utilizadas para lidar com a crise econômica e financeira e, portanto, também no impacto dessas políticas sobre os perfis de dívida soberana da região. Por exemplo, entre 2019 e 2021, Chile e Colômbia tiveram de aumentar seu estoque de títulos soberanos em 46,2% e 42,7%, respectivamente, um índice acima da média dos emergentes de 37,8% e de 25,3% da média global. A Argentina foi o país que mais se destacou negativamente no desempenho da dívida da região, com um aumento da ordem de 88,7% na dívida entre 2019 e 2021 e um aumento adicional de 54% previsto para 2022. Isso está mais associado à combinação de dívida em dólares e peso desvalorizado do que a gastos do governo com o combate à pandemia. Os hermanos enfrentam sua terceira forte crise econômica do século 21.

O relatório constatou ainda que em 2021 os mercados globais de títulos públicos apresentaram um retorno total negativo de -1,9%. Foi apenas a quarta vez em 35 anos que isso ocorreu. O componente de renda dos retornos dos investidores diminuiu para 1,4% no ano passado, o mais baixo de todos os registros, já que as taxas de juros caíram ou permaneceram baixas em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os preços dos títulos caíram 3,3%.

Evidentemente a situação deve se inverter de forma rápida à medida que a inflação crescente cobra seu preço por meio de aumentos generalizados da taxa de juro pelos bancos centrais. De acordo com Bethany, os retornos das obrigações globais verão uma maior divergência em 2022, à medida que os investidores procurarem países cujos bancos centrais estejam sendo mais velozes na agenda do aumento das taxas de remuneração de seus títulos, que é o caso brasileiro.

“Nos primeiros anos da pandemia, o grande assunto foi como os mercados de títulos do mundo convergiria”, disse a head de Títulos Globais da Janus Henderson. Agora, segundo ela, o assunto é divergência. “À medida que o desempenho varia mais amplamente, será importante selecionar geografias específicas e até mesmo países para garantir bons retornos de carteira. Isto favorece uma estratégia ativa.” Isso pelo lado dos investidores. Pelo lado do cofre dos países, significará um endividamento crescente e sem previsão de volta no médio prazo.