A divulgação do PIB do 3º trimestre, de 0,1%, na sexta-feira 1º, mostrou a terceira alta consecutiva e o melhor desempenho dos investimentos desde 2013. Esses indicadores positivos, obtidos após medidas como o controle dos gastos públicos e a reforma trabalhista, têm chamado a atenção de diversos pré-candidatos às eleições de 2018, que passaram a defender abertamente uma postura mais liberal na economia. O problema é que, na busca dos votos dos eleitores de centro, os políticos adotam um discurso pró-mercado que, na prática, pode ficar apenas no discurso.

Em oposição ao populismo de esquerda, que ataca as reformas do Governo Temer, a agenda liberal deve dar o tom das principais campanhas em 2018. Não por outro motivo, o PSDB lançou, na terça-feira 28, um documento com propostas genéricas que lembram valores históricos da sigla e o “choque de capitalismo” proposto por Mário Covas em 1989, mas que não convencem a todos os tucanos. “O PSDB precisa recuperar a sua narrativa”, afirma José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB. “Esse documento não é um programa de governo, são diretrizes que vão orientar o programa.”

O texto fala, por exemplo, em ampliação do mercado na economia, uma agenda de privatizações, reestruturação das finanças governamentais e abertura comercial, entre outros temas. A divulgação do documento se deu num momento de intenso conflito dentro do PSDB. As divergências sobre a escolha do novo presidente do partido se estendiam havia meses, assim como o impasse sobre a permanência na base de apoio do governo Temer. Na segunda-feira 27, o governador de São Paulo e pré-candidato Geraldo Alckmin assumiu a tarefa de comandar a sigla em busca de unificação. Ele próprio tem procurado enfatizar, mais abertamente, sua posição favorável a pautas como a privatização. Mas não há unidade.

Uma nova frente de desgaste interna no ninho tucano se abriu, com parlamentares do PSDB defendendo novas concessões ao já bastante reduzido projeto de reforma da Previdência, que tramita no Congresso. Uma reunião desta semana decidirá se o partido fechará questão sobre o tema. Na quinta-feira 30, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), admitiu que “falta muito voto” para aprovar a reforma. O mercado reagiu mal diante das dúvidas. O Ibovespa recuou 1% e o dólar avançou 1%.

O desgaste dentro do PSDB se aprofundou com a divulgação do documento Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos. O termo choque de capitalismo, usado há quase 30 anos, soa como proposta antiga. “Faltou profundidade”, afirma a economista Elena Landau, que deixou o partido na quinta-feira. Na sua avaliação, o texto deveria deixar mais claras as medidas a serem tomadas para reduzir a influência estatal. “Ainda que o liberalismo esteja na origem do PSDB, o partido tem medo de usar essa palavra porque acha incompatível com a social-democracia”, disse Landau à DINHEIRO. Um dos trechos mais criticados é o que fala num Estado “musculoso, nem máximo, nem mínimo.”

Num manifesto divulgado há um mês em apoio a Tasso Jereissati, Landau, os economistas Edmar Bacha, Persio Arida e cientistas políticos do partido, já haviam apresentado uma agenda mais ampla ao País, com temas como um programa radical de concessões, a redução das vinculações orçamentárias, a avaliação de que o Estado não precisa ter hospitais e escolas, entre outros. “O debate de 2018 vai ser em cima das funções do Estado, de discussões de privilégios, de inclusão, da questão ambiental”, afirma Landau. A economista, que trabalhava para o partido desde 1991, seguiu a decisão de Franco no final de setembro. Ao contrário dele, que foi para o partido Novo, a economista que coordenou as privatizações no Governo FHC diz não ter planos imediatos para colaborar com novas siglas.

Críticas: João Manoel Pinho de Mello, da Fazenda, vê necessidade de revisar apoio do estado a montadoras. Para Elena Landau, PSDB tem dificuldade de assumir pauta liberal (Crédito:Roque de Sá/Agência Senado | divulgação)

O debate que ganha força no Brasil é sobre o o papel do Estado na economia. A constatação é de que o governo pena hoje para cumprir serviços básicos e perdeu a capacidade de induzir o crescimento. Num estudo, divulgado em novembro passado, técnicos do Banco Mundial concluíram que o Estado brasilero gasta muito e mal. Eles apontam áreas de ineficiências nas mais diversas políticas públicas pelo Brasil, sugerindo cortes e reformas que poderiam levar a uma diminuição de 8,36% do PIB nos próximos dez anos. O trabalho foi encomendado pelo liberal Joaquim Levy, ministro da Fazenda no segundo governo Dilma.

Um dos capítulos aborda o incentivo concedido a montadoras nos últimos anos, por meio do programa Inovar-Auto. Para o Banco Mundial, a política acabou servindo de barreira comercial contra importados, que resultou em alta de preços ao consumidor, sem avançar na competitividade. Eles sugerem mudanças: “Qualquer política futura deveria estar vinculada a ambiciosas metas de exportação, em vez de permitir que os fabricantes nacionais dependam de um mercado interno protegido”, afirmam no texto. Na terça-feira 28, representantes da instituição estiveram em São Paulo para apresentar os dados. O evento, no Insper, reuniu acadêmicos, membros do governo e da indústria. Na ocasião, o presidente da Mercedes-Benz, Philipp Schiemer, defendeu uma saída negociada para a segunda etapa, em negociação com o governo federal. “Gostaríamos muito de entrar no mundo liberal porque achamos que esse é o caminho”, afirmou. “Agora, não é possível achar que depois de dois anos pode-se mudar completamente as regras do jogo.”

O governo Temer tenta acomodar as duas posições. Defende uma transição suave, mas que acabe com “más políticas” do passado. “Temos de aumentar a produtividade, mas não às custas do consumidor, nem às custas do Tesouro”, diz João Manoel Pinho de Mello, assessor de reformas Microeconômicas da Fazenda. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, uma das principais vozes liberais do País, acredita que a sociedade brasileira está mais madura hoje para lidar com o tema da redução do tamanho do Estado no Brasil.

Expectativa: evento de lançamento do documento de novas diretrizes do PSDB, em Brasília na terça-feira 28. Texto foi alvo de críticas entre o quadro técnico do partido (Crédito:Jorge William)

“Mais que preparada, está ansiosa por renovação política, algo que incorpora a ideia de um papel do Estado menor na economia, mais horizontal, simples e limpo” (leia entrevista ao lado). Nos anos 2000, termos como a privatização, por exemplo, eram considerados tabu e uma heresia para quem postulasse cargos eletivos. No livro A moeda e a lei (Zahar), que acaba de lançar, Franco conta como uma pauta mais liberal contribuiu para garantir a estabilidade monetária, com a criação do Plano Real.

Ao se olhar para 2018, é difícil identificar qual possível candidato possa representar a questão liberal de maneira mais clara – a exceção talvez seja o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, outro liberal de carteirinha. Até Marina Silva, da Rede, é assessorada por economistas e empresários que defendem ideias pro-mercado e apoia as reformas da Previdência e trabalhista. Na outra ponta, também se distanciam os partidos de oposição ao atual governo, como o PT e o PSOL, críticos da agenda de reformas e defensores de um Estado grande. Cenas como as do Rio de Janeiro, de uma administração pública em falência, ajudam a explicar por que a pauta liberal vem ganhando apelo.

Prova disso é o esforço que o deputado Jair Bolsonaro (PSC), um histórico defensor do intervencionismo estatal, tem feito para se vender desta forma na corrida presidencial. Na segunda-feira 27, ele lançou o nome de Paulo Guedes como possível ministro da Fazenda. Guedes foi um dos fundadores do banco Pactual e, ao lado de Franco, ajudou a criar o Instituto Millenium, think tank que defende valores e princípios liberais. “O Gustavo Franco está certo em dizer que a pauta liberal está na moda”, afirma o cientista político da Universidade de Brasília (UNB), Aninho Mucumdramo Iranchade. “O temor é que tenhamos um discurso muito próximo nas eleições, porque as escolhas ficam mais complicadas.”


“Os velhos partidos são dependentes químicos do Estado grande”

O ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo, Gustavo Franco, falou à DINHEIRO:

O senhor vem defendendo que a agenda liberal voltou a ganhar força. O que explica isso? O Estado cresceu demais?
Sim, demais e mal. Cresceu se corrompendo ou criando favores para clientelas políticas

No campo econômico, o que significa ser liberal no Brasil?
Significa descrer na ação redentora do Estado brasileiro.

A sociedade brasileira está preparada para essa pauta?
Mais que preparada, ansiosa por renovação política, algo que incorpora a ideia de um papel do Estado, na economia, menor, mais horizontal, simples e limpo.

O PSDB acaba de divulgar um documento com uma reavaliação de diretrizes. Como o senhor avalia as propostas ali?
Não vi. Na verdade, ao ver que continha a expressão “Estado musculoso” eu desisti de ler.

Os partidos ainda têm receio de assumir, abertamente, a linha mais liberal?
Sim, os velhos partidos são dependentes químicos do Estado grande.

Seu novo livro “A moeda e a lei” reúne 850 páginas sobre a história monetárias do País. Na sua avaliação, a estabilidade está garantida ou há risco de novos desequilíbrios?
Sempre há risco, o preço da liberdade é a eterna vigilância.