O Ministério da Saúde estendeu nesta segunda-feira a recomendação de uso da cloroquina para gestantes e crianças. A nova orientação do governo brasileiro sobre o medicamento ocorreu na mesma data em que os Estados Unidos retiraram a autorização de emergência de tratamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina contra a covid-19.

A orientação do Ministério da Saúde para estes grupos, desde ontem, é para prescrição desses medicamentos, associados ao antibiótico azitromicina, mesmo para casos leves. Não há evidência científica sobre eficácia da cloroquina contra a covid-19. O presidente Jair Bolsonaro é defensor deste tratamento e dois ministros da Saúde já deixaram o governo por, entre outros motivos, se opor ao uso amplo da droga.

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O ministério deve atualizar nota informativa divulgada em 20 de maio sobre a cloroquina. O documento não é um protocolo, ou seja, não dita regras no SUS nem passa a autorizar procedimentos antes proibidos, mas tem forte poder político. Um dos pilares para elaborar o protocolo é a comprovação científica da eficácia da droga – o que não existe.

Mesmo antes do posicionamento do ministério, médicos já vinham receitando a cloroquina nas redes privada e pública de forma “off label”, fora das recomendações da bula. Para dar respaldo a esta situação, mas sem seguir recomendações científicas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu, no fim de abril, livrar de infração ética o profissional que prescrever cloroquina contra covid-19.

A Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, afirmou ontem que gestantes e crianças são grupos de risco para a doença, e por isso foram incluídos na recomendação. Ela disse que o ministério deve orientar uso da cloroquina e de outros medicamentos na atualização da nota e minimizou a decisão dos EUA sobre a cloroquina, tomada por meio da Food and Drug Administration (FDA), espécie de Anvisa. A agência americana determinou que “é improvável que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam eficazes no tratamento da covid-19 para os usos autorizados nos Estados Unidos”.

Segundo a secretária, a FDA se baseou em “trabalhos de péssima referência metodológica”. A secretária disse ainda que a agência só permitia uso para casos graves, enquanto no Brasil a recomendação é do uso precoce. Mayra ainda sugeriu, sem mostrar evidências, que a mudança de discurso do ministério sobre a cloroquina, feita no fim de maio, fez a curva de casos no País e a taxa de ocupação de leitos de UTI baixarem. “Não podemos afirmar com segurança que se deve a Estados e municípios que usaram prescrição, mas há indícios”, disse.

Também sem mostrar evidências sólidas ou apontar benefício do distanciamento social, Mayra disse que a Índia teve resultados benéficos por adotar de forma preventiva o uso da cloroquina, o que ainda não é feito no Brasil.

Para o médico, advogado sanitarista e pesquisador da USP Daniel Dourado é “inacreditável” que o ministério dobre a aposta no uso da cloroquina, ampliando a orientação de uso, no mesmo dia da decisão dos EUA. “Sem nenhuma base científica, sem comprovação de segurança e eficácia. No mesmo dia em que a agência FDA cancelou até mesmo a autorização emergencial para esse tipo de uso, concluindo que não é mais razoável acreditar que essas drogas possam ser eficazes no tratamento da covid-19 e nem que os seus benefícios potenciais possam superar seus riscos conhecidos e potenciais.”

O uso da cloroquina contra a covid-19 também é rejeitado por três das principais entidades médicas e científicas nacionais: a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

Estados Unidos

A FDA afirmou ontem que “à luz dos eventos adversos cardíacos graves e outros efeitos colaterais graves, os benefícios conhecidos e potenciais da cloroquina e hidroxicloroquina não superam mais os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado”.

A autorização tinha sido dada em 28 de março, quando, de acordo com a agência, as evidências científicas disponíveis até então permitiam supor que havia benefícios. A agência aponta que mudou de opinião após vários estudos clínicos feitos com grupo controle e de modo randomizado mostrarem praticamente nenhum efeito no combate à doença. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.