Por Nayara Figueiredo

SÃO PAULO (Reuters) – O Brasil embarcou carne bovina à China após o anúncio de embargo ao produto brasileiro pelo país asiático, no início do mês, o que tem gerado incertezas e preocupações se as cargas poderão entrar em território chinês, conforme analistas e fontes ouvidas pela Reuters.

No momento, a possibilidades de redirecionamento de lotes a outros mercados, preços e custos logísticos estão na mesa de negociação entre compradores chineses e exportadores, uma vez que os primeiros consideram que deveria ser respeitada a data da suspensão, enquanto a indústria adotou o dia da certificação do produto como parâmetro para embarque.

O Ministério da Agricultura brasileiro confirmou, no dia 4 de setembro, a ocorrência de dois casos atípicos da doença Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como “vaca louca”, estabelecendo uma suspensão temporária de exportações de carne bovina. Mas o fato é que carne certificada antes da data foi embarcada à China na última semana.

O setor também suspendeu abates do chamado “boi China”, seguindo o protocolo sanitário, mas a carne que já estava no porto preparada para seguir ao mercado chinês –e certificada pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF)– continuou sendo exportada. As atividades de frigoríficos para outros destinos liberados seguem normalmente.

A diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, disse que há relatos de exportadores que enviaram lotes da proteína ao mercado chinês até o dia 9. Segundo a analista, um exportador lhe confidenciou que embarcou nesta data, apesar das incertezas.

Isso explica, segundo analistas, por que os embarques saltaram mais de 80% no acumulado de setembro até a segunda semana, apesar do embargo da China, que juntamente com Hong Kong é destino de mais da metade da carne bovina que é exportada pelo Brasil.

Segundo Lygia, o cenário é de incertezas, visto que compradores chineses querem aprovar o recebimento apenas de carnes embarcadas até o dia 3, enquanto o entendimento do SIF é de que poderiam ser enviados lotes processados até esta data.

“Então o SIF está interpretando que é certificação o que vale, e a China está interpretando que é embarque. Está tendo um atrito sobre o que está certo… é um conflito de interpretação dentro do acordo comercial”, disse a especialista à Reuters.

Com isso, na hipótese de não recebimento pela China, ela acredita que há possibilidade desses lotes serem encaminhados para outros países ou até retornarem ao Brasil para serem alocados no mercado interno, o que geraria custos logísticos.

“Acho que não tem muita saída nem solução simples para esse caso. Se não conseguirem despachar quando chegar lá, acredito que a maior parte da carga tende a voltar.”

O diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres, confirmou que lotes de carne bovina que estavam prontos para embarque foram enviados à China e, segundo ele, não houve descumprimento legal por parte do Brasil.

“O protocolo determinava que os abates de bovinos cuja carne seria encaminhada ao mercado chinês fossem suspensos desde o dia 3 (de setembro), e foram”, afirmou.

Em sua visão, o risco de cargas não entrarem na China existe, mas a possibilidade de retorno ao Brasil seria menor.

“Não há um cenário comercial definido… aparentemente vendedores e compradores estão disputando um jogo de quebra de braços”, disse Torres, citando que as negociações passam por preços e redirecionamento de cargas.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) divulgados na segunda-feira, de fato, indicam que mesmo após a suspensão de embarques determinada pela China a média diária de exportações de carne bovina in natura aumentou para 12,4 mil toneladas até a segunda semana de setembro, ante 10,5 mil toneladas ao dia embarcadas na primeira semana.

O volume também representa uma disparada de 83,1% em relação ao total embarcado por dia em setembro de 2020, segundo os dados.

Uma fonte brasileira com conhecimento sobre o assunto confirmou, na condição de anonimato, que o Ministério da Agricultura do país e autoridades aduaneiras da China estão discutindo os embarques da carne bovina ocorridos depois do dia 4, que receberam certificação anteriormente.

Uma segunda fonte brasileira com conhecimento dos processos confirmou que o Brasil pediu para o país asiático considerar a liberação da carne inspecionada antes do dia 4 de setembro.

Conforme a primeira fonte, mesmo que a suspensão termine, estas cargas enviadas entre o dia 4 e a eventual retomada das exportações não serão aceitas automaticamente pela China. Os dois lados precisarão fazer um acordo separado sobre essas exportações, disse o interlocutor.

A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) exclui a ocorrência de casos de “vaca louca” atípica para efeitos do reconhecimento do status oficial de risco do país, segundo o Ministério da Agricultura. Ainda assim, além da China, a Arábia Saudita anunciou embargo temporário a cinco frigoríficos do Brasil, maior exportador global de carne bovina.

PREÇOS

Para Torres, este tipo de conflito não surpreende o mercado e ainda pode ter motivação mercadológica, em vez de sanitária. Situação semelhante, disse ele, foi vivida em 2019, quando houve uma suspensão de embarques à China por cerca de duas semanas devido a casos atípicos de “vaca louca”.

“Isso é um jogo para derrubar preço, não tem a ver com conflito bilateral”, ressaltou ele, com base na última suspensão da China por “vaca louca”, ocorrida em 2019.

Na mesma linha, a diretora da Agrifatto disse que este cenário pode afetar tanto a precificação atual, quanto o valor dos produtos que serão negociados após a retomada de vendas externas do Brasil aos chineses.

“Ninguém está embarcando e uma parte do que foi embarcado corre o risco de voltar. Tudo isso coloca pressão no mercado de balcão”, pontuou ela.

Atualmente, o valor da proteína bovina exportada subiu cerca de 40% em relação ao preço registrado em setembro do ano passado.

Procurado, o Ministério da Agricultura não respondeu de imediato a um pedido de comentários. A associação de frigoríficos Abrafrigo e a entidade de exportadores de carnes Abiec não quiseram comentar.

(Por Nayara Figueiredo em São Paulo; reportagem adicional de Jake Spring em Brasília e Dominique Patton em Pequim)

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