Nas relações internacionais, é natural que cada país busque colocar seus interesses acima de tudo ao negociar acordos comerciais entre blocos ou nações. Nem sempre isso se dá a contento. Todo bom negociador sabe que é preciso ceder em alguns pontos para ganhar em outros, além de garantir benefícios de longo prazo. No futuro governo Bolsonaro, a expectativa dos negociadores e exportadores brasileiros é que o Brasil assuma uma postura mais pragmática e menos ideológica, mas não é isso o que vem ocorrendo.

Na quarta-feira 14, o presidente eleito anunciou o embaixador Ernesto Henrique Fraga Araújo, definido por Bolsonaro como “brilhante intelectual”, para o Ministério das Relações Exteriores. Com 29 de anos de carreira, Araújo é o diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos no Itamaraty. Segundo o futuro presidente, a missão do ministro será de “incrementar a questão de negócios no mundo todo sem viés ideológico de um lado ou de outro”.

No entanto, em seu blog pessoal — no qual apoiava o candidato Bolsonaro —, o novo chanceler combate o chamado “globalismo cultural” e se posiciona a favor dos nacionalismos. “Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. A globalização econômica passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. É um sistema anti-humano e anti-cristão”, escreveu ele.

As ideias antiliberais também aparecem no seu texto “Trump e o Ocidente”, no qual defende apaixonadamente o atual presidente americano, considerando-o uma espécie de salvador da civilização ocidental. “Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”, escreveu ele. “A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo (o pai do drama trágico grego) a Oswald Spengler (historiador alemão da época da Primeira Guerra, que publicou A Decadência do Ocidente, em 1918), e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história.”

Com 51 anos, e sem nunca ter sido efetivado embaixador, o novo ministro vai ter vários incêndios a apagar já no início da sua atuação. “Será importante bastante diálogo para reduzir o potencial de retaliações”, afirma Sílvio Cascione, analista sênior da consultoria Eurásia Group. “O governo precisa indicar que as medidas simbólicas para agradar a bancada evangélica, como o apoio a Israel, não prejudicarão radicalmente outras relações.”

Declarações do futuro presidente já provocaram indisposições com a China, com os países árabes, com representantes do Mercosul e até com a Noruega. Ao ser questionado sobre o Fundo Amazônia, Onyx Lorenzoni, ministro da transição e futuro chefe da Casa Civil, afirmou, na segunda-feira 12, que os noruegueses devem “aprender com o Brasil” a preservar a floresta. A Noruega é o principal doador para esse fundo de preservação com aportes de cerca de R$ 2,8 bilhões entre 2009 e 2016. Em outros momentos, o país nórdico já ameaçou cortar os repasses. A resposta do embaixador, Nils Martin Gunneng, foi educada. Ele reconheceu a parceria entre os países e convidou Lorenzoni a visitar a embaixada. Outras declarações também provocaram atritos. Agora que as negociações do acordo entre Mercosul e a União Europeia — que já duram 18 anos — estão avançando, Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, disse que o bloco sul-americano não será uma prioridade.

Antes disso, na sua primeira entrevista internacional, Bolsonaro defendeu que levaria a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, cidade disputada como capital por judeus e árabes. Ao fazer isso, o futuro presidente se aliou a um dos lados do conflito. Dias depois, o Egito cancelou de última hora a viagem de uma comitiva comercial brasileira ao país. Segundo o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, que falou à DINHEIRO durante uma viagem aos Emirados Árabes para um evento de segurança alimentar, o posicionamento do presidente preocupa. “Isso pode afetar a nossa relação de décadas com 22 países árabes que são o segundo maior destino das exportações do agronegócio”, diz. A expectativa é de que as exportações brasileiras para essa região subam de US$ 13,6 bilhões, em 2017, para US$ 21 bilhões, em 2021. Além disso, os países árabes são donos de 40% dos recursos de fundos soberanos. São US$ 2,3 trilhões para investir, mais que o PIB do Brasil.

Outra declaração polêmica de Bolsonaro, de que a China estaria “comprando o País”, motivou uma resposta dura daquela nação, principal cliente das exportações nacionais e dona de uma carteira de US$ 124,5 bilhões de investimentos por aqui. Em editorial no jornal China Daily, espécie de porta-voz não-oficial da China, o país alertou que alinhar-se à política externa de Donald Trump pode “custar caro” ao País.

“O Brasil historicamente tem relações externas bem estáveis, evita tomar parte em conflitos, e isso está até na Constituição”, diz Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento entre 2007 e 2011. “Bolsonaro promete maior aproximação com as nações desenvolvidas e diminuir a relação com países em expansão, como acontecia com o PT, considerada ideológica.” Uma visão efetivamente mais pragmática e diplomática pode ser bem-vinda, desde que não fique no discurso. “Não se deve brigar com o cliente”, diz Barral.