Como já é de praxe, o presidente americano Donald Trump usou o Twitter para anunciar um novo passo na guerra comercial com a China. A mensagem do início de março, porém, foi diferente das anteriores. Em vez de um disparo, uma trégua: “Eu pedi à China que retire imediatamente as tarifas sobre nossos produtos agropecuários”, publicou no dia 2. “A conversa caminha bem.” A mensagem sintetizava a ampliação, em 60 dias, do prazo previsto para os Estados Unidos aplicarem tarifas adicionais sobre os produtos chineses, que deveria entrar em vigor em 1º de março. O tom conciliador é bem diferente do que Trump usou ao anunciar todas as novas tarifas, em maio de 2018. E o motivo é simples: as medidas geraram prejuízo de US$ 27 bilhões para plantadores de soja e exportadores de produtos agrícolas. Quem ganhou foi o Brasil. As exportações de soja para a China duplicaram nesse período. Um bônus da guerra comercial que chega ao fim ao se confirmarem as palavras do líder americano.

Negociação: o presidente Donald Trump negocia com os chineses (à esq.) e deve reabrir o mercado de soja para produtores dos EUA

Os detalhes do que estará incluído no acordo não são conhecidos, mas como deixa claro o relatório da consultoria britânica Capital Economics, o Brasil será o grande perdedor se a China aumentar a importação de soja dos EUA. Entre julho de 2018 e janeiro de 2019, as exportações do produto brasileiro aumentaram 53%. Esse número se reverterá quase que automaticamente. “O Brasil não passou a ocupar o lugar dos Estados Unidos permanentemente e ninguém seria inocente em achar isso”, diz Welber Barral, ex-secretário do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e cofundador da BMJ Consultoria.

A soja é usada pelos chineses para alimentar animais, especialmente porcos. Sem o fornecimento americano, a China mudou a composição das rações. Ao mesmo tempo, houve uma queda natural da demanda, com o avanço da gripe suína africana no país. “O clima entre os produtores é de preocupação”, diz Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio. “Não se sabe o quanto a China vai voltar a comprar dos EUA.” A soja é o principal produto exportado pelo Brasil. Em 2018, somou US$ 33 bilhões, cerca de 14% das vendas totais. Em fevereiro, a ministra da Agricultura Teresa Cristina reconheceu a dependência excessiva do gigante asiático. “Ano passado, exportamos 86% da produção de soja para os chineses”, disse em discurso. “É mais um motivo para que a gente tente crescer mais em outros mercados.” Segundo técnicos do Ministério da Agricultura, países do sudeste asiático estão no foco do governo como possíveis novos clientes.

ALERTA A BOLSONARO A ofensiva de Trump contra os produtos chineses foi uma maneira de forçá-los a comprar mais bens americanos e reduzir o déficit com o parceiro asiático. Nas negociações recentes, os chineses teriam oferecido comprar U$S 30 bilhões a mais de produtos agrícolas dos EUA. “De nada adiantaria fazer um acordo para deixar as coisas como elas eram”, diz Michael Magdovitz , analista de commodities agrícolas do banco holandês Rabobank. “O cenário vai mudar e o Brasil irá perder mercado.” Falta uma decisão final de ambas as partes. Uma nova rodada de conversas deve acontecer no fim de março.

Os resultados são imprevisíveis, já que Trump é conhecido por voltar a trás em decisões e jogar duro para conseguir mais concessões, mesmo ao custo dos seus apoiadores, como os do setor de soja. “Se o acordo não sair, será desastroso para os produtores americanos”, diz Magdovitz, do Rabobank. “Eles já estão estocando grande parte da safra 2018-2019 e se a China não voltar a comprar, estocarão ainda mais, em números incalculáveis.” Para o Brasil, o risco é de que o acordo saia. Se isso ocorrer, pode servir de alerta ao presidente Jair Bolsonaro de como é preciso cuidar das relações com o principal parceiro comercial do País e não contar apenas com a boa vontade americana para alavancar negócios no exterior. Trump, afinal, só pensa nele.