08/03/2019 - 11:00
Como já é de praxe, o presidente americano Donald Trump usou o Twitter para anunciar um novo passo na guerra comercial com a China. A mensagem do início de março, porém, foi diferente das anteriores. Em vez de um disparo, uma trégua: “Eu pedi à China que retire imediatamente as tarifas sobre nossos produtos agropecuários”, publicou no dia 2. “A conversa caminha bem.” A mensagem sintetizava a ampliação, em 60 dias, do prazo previsto para os Estados Unidos aplicarem tarifas adicionais sobre os produtos chineses, que deveria entrar em vigor em 1º de março. O tom conciliador é bem diferente do que Trump usou ao anunciar todas as novas tarifas, em maio de 2018. E o motivo é simples: as medidas geraram prejuízo de US$ 27 bilhões para plantadores de soja e exportadores de produtos agrícolas. Quem ganhou foi o Brasil. As exportações de soja para a China duplicaram nesse período. Um bônus da guerra comercial que chega ao fim ao se confirmarem as palavras do líder americano.
Os detalhes do que estará incluído no acordo não são conhecidos, mas como deixa claro o relatório da consultoria britânica Capital Economics, o Brasil será o grande perdedor se a China aumentar a importação de soja dos EUA. Entre julho de 2018 e janeiro de 2019, as exportações do produto brasileiro aumentaram 53%. Esse número se reverterá quase que automaticamente. “O Brasil não passou a ocupar o lugar dos Estados Unidos permanentemente e ninguém seria inocente em achar isso”, diz Welber Barral, ex-secretário do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e cofundador da BMJ Consultoria.
A soja é usada pelos chineses para alimentar animais, especialmente porcos. Sem o fornecimento americano, a China mudou a composição das rações. Ao mesmo tempo, houve uma queda natural da demanda, com o avanço da gripe suína africana no país. “O clima entre os produtores é de preocupação”, diz Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio. “Não se sabe o quanto a China vai voltar a comprar dos EUA.” A soja é o principal produto exportado pelo Brasil. Em 2018, somou US$ 33 bilhões, cerca de 14% das vendas totais. Em fevereiro, a ministra da Agricultura Teresa Cristina reconheceu a dependência excessiva do gigante asiático. “Ano passado, exportamos 86% da produção de soja para os chineses”, disse em discurso. “É mais um motivo para que a gente tente crescer mais em outros mercados.” Segundo técnicos do Ministério da Agricultura, países do sudeste asiático estão no foco do governo como possíveis novos clientes.
ALERTA A BOLSONARO A ofensiva de Trump contra os produtos chineses foi uma maneira de forçá-los a comprar mais bens americanos e reduzir o déficit com o parceiro asiático. Nas negociações recentes, os chineses teriam oferecido comprar U$S 30 bilhões a mais de produtos agrícolas dos EUA. “De nada adiantaria fazer um acordo para deixar as coisas como elas eram”, diz Michael Magdovitz , analista de commodities agrícolas do banco holandês Rabobank. “O cenário vai mudar e o Brasil irá perder mercado.” Falta uma decisão final de ambas as partes. Uma nova rodada de conversas deve acontecer no fim de março.
Os resultados são imprevisíveis, já que Trump é conhecido por voltar a trás em decisões e jogar duro para conseguir mais concessões, mesmo ao custo dos seus apoiadores, como os do setor de soja. “Se o acordo não sair, será desastroso para os produtores americanos”, diz Magdovitz, do Rabobank. “Eles já estão estocando grande parte da safra 2018-2019 e se a China não voltar a comprar, estocarão ainda mais, em números incalculáveis.” Para o Brasil, o risco é de que o acordo saia. Se isso ocorrer, pode servir de alerta ao presidente Jair Bolsonaro de como é preciso cuidar das relações com o principal parceiro comercial do País e não contar apenas com a boa vontade americana para alavancar negócios no exterior. Trump, afinal, só pensa nele.