O que você diria de um homem que, à frente da Alcoa, multinacional de alumínio presente em 36 países, leva a companhia a resultados positivos durante seis anos consecutivos? Que desde 1994 não amarga sequer um prejuízo trimestral e fechou 2000 com um lucro de US$ 1,4 bilhão, 41% maior do que no ano anterior? Um ótimo administrador, sem dúvida. Assim tem sido, até aqui, Paul O?Neill, que no sábado, 20, quando George Bush toma posse como presidente dos EUA, assume um dos cargos mais importantes da maior economia do planeta, o de secretário do Tesouro. Imediatamente, porém, todo o seu currículo vitorioso entra em xeque. Aos 65 anos, O?Neill enfrentará sob os olhos do mundo a tarefa mais difícil de sua vida: cumprir as promessas de campanha de cortes de impostos superiores a US$ 1 trilhão e, ao mesmo tempo, com menos dinheiro no cofre, enxugar uma dívida pública de US$ 5,7 trilhões. À moda do Texas, algo como laçar um touro bravo com corda fraca. Afinal, a redução dos impostos deve diminuir o superávit fiscal que em 2000 alcançou US$ 236,7 bilhões e vinha sendo usado para abater parte do débito do governo.
?Acredito que o presidente tem as idéias certas para onde nossa economia deve ir?, disse o bem disposto cowboy horas depois de ter sido indicado. Assim como o chefe, O?Neill acredita que o alívio na carga tributária pode reaquecer a economia americana, aumentar a base de arrecadação e sustentar um novo ciclo de crescimento.

Boas relações. O novo secretário já deu sinais de ser um homem cuidadoso com as palavras. Ele adotou, a exemplo do restante da equipe de Bush, uma espécie de lei do discurso mínimo, na qual quanto menos se fala, menos se fica comprometido com a anunciada recessão americana. ?Minha política é deixar Alan Greenspan fazer política monetária?, disse ele a respeito do presidente do Federal Reserve, um antigo parceiro de governo, com quem atuou, em 1969, durante a gestão de Richard Nixon. Em retribuição, ganhou seu primeiro elogio de peso. ?Em Paul O?Neill, o presidente eleito conseguiu atrair uma pessoa de talento excepcional?, referendou Greenspan.

Cultivar boas relações, de resto, vai se mostrando a primeira marca do novo governo. Nos dias 4 e 5 de janeiro, em Austin, Bush recepcionou boa parte do PIB americano, representado por presidentes e CEOs de grandes companhias. Na parte do encontro reservado à nova economia, todos os que contam estavam lá, como Michael Dell, da Dell Computer, Steve Case, da AOL, Carly Fiorina, da Hewlett Packard e John Chambers, da Cisco Systems. O?Neill preferiu ficar longe da cena, deixando espaço para Bush aparecer como um novo presidente amigo de empresários.

Nascido em Saint Louis, Missouri, O?Neill não passou pelas tradicionais universidades da elite americana. Seu currículo escolar culmina com um mestrado de administração pública em Indiana. Igualmente jamais flanou por Wall Street. O atual ocupante do cargo, Larry Summers, também não, mas, apesar de ser um economista acadêmico, sempre cultivou a boa herança de seu antecessor, Robert Rubin, ex-executivo do banco de investimentos Goldman Sachs. ?No primeiro governo de Clinton, Rubin foi um ótimo secretário do Tesouro, e agora, outra vez, o mercado esperava a indicação de um insider de Wall Street?, diz o diretor para o Brasil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Daniel Andrade de Oliveira. Frustrado num primeiro momento, o mercado financeiro já dá indicações de estar digerindo a indicação do homem do alumínio. ?O?Neill é uma excelente escolha?, garante o economista-chefe para a América Latina da Lehman Brothers, Paulo Vieira da Cunha. ?Ele é alguém que conhece o lado real da economia.?

Nos EUA, ninguém põe em discussão a competência de O?Neill. Enquanto Linda Chavez, indicada para a Secretaria do Trabalho, teve de abdicar triturada por denúncias da imprensa de abrigar uma imigrante ilegal. O?Neill, ao contrário, foi alvo de perfis favoráveis por parte da imprensa mais influente. O Wall Street Journal, porém, levantou dúvidas sobre se ele não seria o homem certo no lugar errado, em razão de seu trânsito estreito no mercado financeiro. Uma questão que levanta outra: quem será o segundo da economia? Para ficar ao seu lado na Casa Branca, Bush escolheu Lawrence Lindsey como assessor econômico. Até a semana passada, o chefe das emissões de títulos do tesouro americano, o cargo de controlador da dívida pública, pela oferta e recompra de papéis, ainda não havia sido indicado. É esperar para ver quem vai influir mais ? e se todos vão se dar bem.

Neste momento, assim como se preocupam em medir o tamanho da recessão, os americanos querem saber como, quando e onde serão cortados os impostos. A promessa eleitoral, já reafirmada, é de redução de US$ 1,3 trilhão em 10 anos. Conforme for a administração do remédio escolhido, o atual programa de redução da dívida pública americana, que corresponde a 58% do PIB de US$ 9 trilhões, poderá ficar comprometido. ?A recessão será uma excelente desculpa para O?Neill cortar os impostos?, adianta o professor de economia Eduardo Loyo, da Universidade de Harvard. ?Se ele fizer um corte muito profundo e rápido, o mercado financeiro pode reagir mal?, calcula Vieira da Cunha, da Lehman Brothers. ?Nesse cenário, até mesmo os juros podem voltar a subir.? Sobre esse assunto, nos dias que antecedem a posse, O?Neill estava rouco de tanto ouvir.