Ambientalista e acionista da Klabin diz que o governo fracassou no combate às queimadas na Amazônia e considera inaceitável o incentivo ao desmonte da legislação ambiental.

A gestão federal nas políticas públicas ambientais é desatrosa e está prejudicando a imagem do Brasil no exterior. A análise é do empresário e ambientalista Roberto Klabin, fundador da Fundação SOS Mata Atlântica e da SOS Pantanal. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro é o reflexo do atraso. “Temos um governo negacionista, que nega a ciência, o impacto das mudanças climáticas e procura desconhecer a importância do patrimônio ambiental brasileiro”, disse Klabin, que preside o Lide Sustentabilidade. Acionista de uma das principais companhias de papel e celulose do Brasil, ele afirmou que a famosa reunião ministerial de 22 abril de 2020 escancarou o desprezo do atual governo pelo meio ambiente e seu impacto no clima.

DINHEIRO — Que paralelos podem ser feitos entre o período de criação da SOS Mata Atlântica, em 1986, e o momento atual?
ROBERTO KLABIN — O cenário de hoje é muito diferente do daquela época. Nós estávamos começando e não sabíamos a extensão do desastre ambiental. Hoje em dia há todas as ferramentas para entender os danos que nós causamos no planeta. No momento em que foi fundada a instituição, há 35 anos, o Brasil passou a enxergar a Mata Atlântica, que hoje só tem cerca de 12% de sua área original. Atualmente temos meios de prever o que pode acontecer, mas não há vontade política para realizar essas mudanças.

O que justifica essa falta de vontade?
A gente vive em um País onde a elite pensante não consegue associar a conservação do meio ambiente a uma vantagem competitiva. Houve conquistas em alguns momentos, principalmente no período em que Marina Silva esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente. São dois momentos distintos, com lideranças distintas.

Sabendo hoje o tamanho do desastre, o Brasil age como deveria?
De jeito nenhum. Temos um governo negacionista, que nega a ciência, o impacto das mudanças climáticas e que procura desconhecer, propositadamente, a importância do patrimônio ambiental brasileiro. Antes de ser uma potência agrícola, o Brasil é uma potência ambiental. No caso da Mata Atlântica, restam 12,4% da área original e a gente julga que isso não é suficiente para manutenção desse bioma. Graças aos serviços ambientais das florestas, temos condições de garantir água para as cidades e agricultura. Tudo isso é fundamental para o Brasil manter sua condição competitiva. O governo de Jair Bolsonaro chegou com a visão de que o meio ambiente é um fator detrimental para o desenvolvimento do País.

“Não sou contra o fato de o Brasil ser campeão na agricultura ou na pecuária. A gente só quer que as pessoas façam isso direito” (Crédito:Claudio Gatti )

Em termos práticos…
Na prática, o governo federal incentivou o desmonte da legislação ambiental, enfraqueceu os órgãos de controle, e o resultado é esse. Viramos párias no mundo. A hora em que clientes estrangeiros mandarem não descarregar soja, carne ou qualquer outro produto, pode ser tarde demais. A preocupação ambiental já está presente no meio de quem produz.

Isso ganha força com as práticas ESG?
Sim. Essa onda é irreversível. Claro que ainda estamos muito distantes do cenário ideal em que todas as empresas sejam realmente ESG. As grandes companhias estão mais no caminho, principalmente as internacionais. As que têm muita exposição à exportação estão mais preocupadas com isso, mas as médias e menores ainda tentam entender o que é esse fenômeno. E isso muda o conceito do papel da empresa, que passa a se preocupar com a aceitação do produto. O Brasil vive esse dilema do moderno que gostaria de ser e do antigo que está no poder.

Dá para dizer então que a carta de 37 CEOs, no ano passado, cobrando políticas ambientais mais claras, mostra que a iniciativa privada pensa diferentemente do governo Bolsonaro?
Entendi como um grande momento. É pela questão dos clientes e pela deterioração de nossa imagem. É uma ineficiência muito grande e isso prejudicou a imagem do Brasil. Nós estamos sendo mudados de fora para dentro. Estamos sendo mudados pelo consumidor, pelo ESG, por todas essas pressões. O Brasil tem um potencial tão grande com uma imagem tão dilapidada.

Qual sua avaliação daquela reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, quando o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles falou em ‘passar a boiada’?
Não poderia ter sido melhor, porque escancarou para todo mundo as negociatas, os trâmites, a maneira de conduzir uma reunião. Era possível ver ali a vontade do Salles de chamar a atenção e o Bolsonaro não estava nem aí. Foi o melhor serviço que o Ricardo Salles fez à nação e deu uma demonstração de profundo mau-caratismo, com ações apenas para agradar o eleitorado diminuto que este homem tem e aos políticos que vivem nessa linha do toma-lá-dá-cá. A sociedade enxergou essa barbaridade.

Há risco de que essa boiada ainda passe?
Vão passar tudo que puderem, porque há muita gente no Congresso alinhada com esse governo. Estão criando todo tipo de jabuti para poder reduzir áreas conservadas, flexibilizar legislação e todo um processo para derrubar todos os avanços. Não sou contra o fato de o Brasil ser campeão na agricultura ou pecuária. A gente só quer que as pessoas façam isso direito.

E seria possível?
Imagina o potencial de bioeconomia que tem na Amazônia. Mas o Brasil virou as costas para a floresta. Esse governo foi um fracasso na questão do incêndio da Amazônia, no ano passado. É como se a gente estivesse queimando uma parte da Biblioteca de Alexandria sem ter lido os livros. E o impacto no clima será brutal. Há uma falta de vontade, do governo, de entender isso. Estou muito preocupado com o Brasil.

Ainda vamos regredir mais até o fim do ano que vem?
Se for nessa toada de perda de 13 mil km² por ano da Amazônia, estaremos perdendo mais uns 20 mil km² até lá. É uma barbaridade. Não conheço esse novo ministro [Joaquim Leite], mas era braço-direito do Salles. Só que quem manda lá não é o ministro e sim o Bolsonaro. E ele é contra o meio ambiente.

É possível alcançar a meta de carbono neutro nas empresas nos próximos anos?
Sim. Hoje em dia é possível. Há muitas empresas que já são carbono zero. Uma delas é a Suzano. A Klabin vem evoluindo. Além do carbono, temos de falar de outras questões também. No Paraná, a Klabin tem 500 mil hectares de área plantada. Lá há um importante corredor ecológico. Se no passado isso não tinha valor, hoje tem uma importância brutal. E a biodiversidade que tem lá ainda é desconhecida. A Suzano, que tem 900 mil hectares de floresta nativa, vai criar corredores ecológicos. Isso significa falar de carbono, biodiversidade e água. Estamos arranhando a superfície das oportunidades.

O senhor está otimista, então?
O Bolsonaro vai passar, mas vai deixar um estrago muio grande no meio ambiente. Acredito que a sociedade brasileira vai se recuperar. O que é chocante é ver um governo avesso ao diálogo. Para o atual presidente da República, quem pensa de forma diferente é inimigo.

Istock “Esse governo foi um fracasso na questão do incêndio da Amazônia. E o impacto no clima será brutal. Há uma falta de vontade em entender isso” (Crédito:Istock)

Acionista da Klabin e ao mesmo tempo ambientalista. O senhor foi visto com desconfiança?
Quando entrei no movimento ambientalista, eu era muito mal visto, por ser rico, dono de empresa, e ainda mais de uma empresa de papel e celulose. Ao longo do tempo, procurei me envolver mais nessas causas, e menos na Klabin. A partir daí passei a ser respeitado.

E como o senhor atua para que a empresa avance nesse tema?
Tenho um papel na companhia de ajudar a demover as pessoas de determinados conceitos e mostrar a importância cada vez maior da questão ambiental. A partir da década de 1990, a Klabin começou a mudar esse conceito, com a preocupação de clientes internacionais sobre a origem do papel fabricado. E aí houve uma sucessão de lideranças na empresa com mais sensibilidade sobre o tema. O Israel Klabin, meu primo e um dos acionistas, tem um trabalho importante da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). A cabeça da gestão técnica da Klabin foi mudando ao longo dos anos. E não mudou sozinha. O setor mudou. Hoje, além de conselheiro, faço parte do Comitê de Sustentabilidade.

Como nasceu o Instituto SOS Pantanal?
Quando saí da holding Klabin, embora siga com ações, havia a necessidade fazer a divisão de ativos e fiquei com uma área no Mato Grosso do Sul. E foi lá que criei, em 53 mil hectares, um refúgio ecológico. Fiz uma reserva privada e abri para turistas. Fui pioneiro no turismo de observação de fauna. A partir daí, fui convencido a criar o SOS Pantanal nos mesmos moldes da SOS Mata Atlântica e abordando boas práticas. Isso foi em 2009. Muita gente achava que não precisava porque é um bioma resolvido. Mas não é bem assim. Em 2019, fiquei durante 15 dias lutando para combater o fogo na minha fazenda. Aprendemos muito.

De que maneira?
Com o grande incêndio do Pantanal no ano passado, que queimou 26% da área de vegetação, o SOS Pantanal teve um desempenho fantástico. Criamos brigadas de incêndio no bioma. A meta é chegar a 28 brigadas e 13 já estão funcionando. Nossa missão é treinar as pessoas e doar equipamentos. Se vier outro incêndio, a gente estará muito mais preparado para atuar.