O governo do presidente Jair Bolsonaro quer aprovar um projeto que beneficia policiais militares e bombeiros estaduais, em um aceno a duas categorias consideradas estratégicas para o seu plano de reeleição neste ano. Aliados do Palácio do Planalto agem para votar a nova lei orgânica de PMs e bombeiros em março, concedendo um pacote de bondades a essa base no momento em que o presidente enfrenta queda de popularidade.

A nova articulação ocorre após o governo patrocinar um reajuste para policiais federais no Orçamento de 2022, o que provocou pressão dos policiais militares. A proposta inicialmente tirava poder dos governadores sobre o comando das polícias, mas deve agora se concentrar em um pacote de benefícios para os militares nos Estados, que formam o maior contingente de segurança pública no País.

Números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que só na ativa há 406 mil PMs e 56 mil bombeiros. No pacote em estudo pelo governo para consolidar o apoio das categorias estão previstas a criação de novas patentes e a possibilidade de policiais e bombeiros que se tornaram parlamentares voltarem à ativa, se não forem reeleitos. Há, ainda, a garantia de nomeação e promoção para investigados pela Justiça e mesmo para os que se tornaram réus.

Temor

A movimentação de militares desde que Bolsonaro tomou posse aumentou o temor sobre o uso político das PMs contra governadores. Um exemplo foi a pressão por reajustes salariais em vários Estados, em 2020, que desembocou em um motim no Ceará. O controle das polícias militares e dos bombeiros cabe aos gestores estaduais. A lei orgânica pode estabelecer políticas gerais, mas casos como revisão salarial ainda ficam sob o poder dos governadores.

A “bancada da bala” elegeu esse projeto como prioritário para este ano e quer aprovar o texto em março na Câmara e na sequência no Senado, a tempo da campanha eleitoral. Relator da proposta, o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Capitão Augusto (PL-SP), antecipou a nova versão do parecer ao Estadão/Broadcast Político e retirou alguns pontos questionados. O texto ainda deve passar por revisão.

Diante da articulação pelo reajuste para policiais federais, impasse ainda não resolvido, o projeto se tornou uma estratégia para o governo agradar aos policiais militares, que passaram a reclamar por ficar “atrás” na fila das benesses. A queixa se avolumou porque os PMs representam o maior efetivo das forças de segurança, além de potencial apoio para a campanha da reeleição de Bolsonaro.

Policiais reclamavam da falta de empenho do governo e até de declarações públicas de Bolsonaro a favor da lei orgânica. No mês passado, articuladores do Planalto se mobilizaram pela aprovação de um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do projeto no plenário da Câmara e colocá-lo na lista de prioridades para 2022.

A mudança acabou sendo adotada por aliados ligados à segurança pública que disputarão cargos em outubro. O requerimento de urgência foi aprovado por 264 votos a 141, placar suficiente para aprovação de um projeto de lei. Apenas os partidos de oposição orientaram contra.

“Várias entidades são a favor, o Ministério da Justiça é a favor, as Forças Armadas são a favor. Nesse sentido, o governo Bolsonaro também é a favor”, afirmou o líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (GO), durante a votação.

Em outra frente, policiais militares também pressionam os governadores nos Estados, como mostrou o Estadão.

Medidas

O projeto na Câmara revisa um decreto-lei de 1969 e promove mudanças na organização interna das polícias e bombeiros militares, instituições subordinadas aos governadores. A proposta é alvo de questionamento nos Estados, que alegam interferência do governo e do Congresso e pode acabar na Justiça. Para diminuir as resistências, o relator deve submeter o texto a instituições que representam os policiais e os gestores e, assim, reduzir a margem de questionamento.

O texto cria três novas patentes para policiais da cúpula (tenente-general, major-general, brigadeiro-general), garante revisão na remuneração, a ser definida pelos Estados, e estabelece uma série de privilégios para policiais, como tratamento diferenciado em caso de investigações ou prisão criminal.

Além disso, o projeto permite que profissionais indiciados em inquérito policial ou réus em processo judicial ou administrativo sejam nomeados e até promovidos nas corporações. A promoção de policiais investigados foi posta no projeto sob o argumento de que a Constituição garante o princípio da presunção de inocência.

Sob essa mesma regra, o Supremo Tribunal Federal (STF) revisou um entendimento recentemente e derrubou a prisão após condenação em segunda instância para crimes comuns. “É contra a nossa vontade, mas é a Constituição que está dizendo isso. Estamos acertando algo em que hoje há uma vedação velada, mas temos de respeitar a Constituição, mesmo sendo contrários”, disse Capitão Augusto.

Para os policiais e bombeiros que se lançam na política, o texto garante o direito de um parlamentar não reeleito retomar as atividades na corporação, inclusive estendendo o direito aos congressistas atuais. Atualmente, eles são afastados e não podem voltar à ativa. “O que os PMs estão pedindo é para trabalhar. Se eu não fosse reeleito, eu gostaria de voltar e continuar trabalhando”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública. A regra para eleição de militares está na Constituição e este é outro ponto que pode ser questionado ao ser encaminhado por um projeto de lei.

A nova versão do parecer excluiu o tempo de mandato e a exigência de lista tríplice para escolha dos comandantes-gerais da Polícia Militar nos Estados, medida criticada por governadores no ano passado, após o Estadão revelar o teor do parecer. Hoje, a escolha é feita livremente pelos governadores e não há limitação ao período dos oficiais nos cargos.

Capitão Augusto também decidiu retirar a medida que obrigaria os chefes dos Executivos estaduais a comprovar os motivos para exoneração dos comandantes e o dispositivo que daria a esses oficiais a mesma condição de secretários. O relatório mantém, por outro lado, a exigência de que os comandantes sejam escolhidos por critério de antiguidade, entre aqueles que fazem parte do primeiro terço dos oficiais. “É o mínimo que existe em praticamente todos os Estados e estamos padronizando. Não há nada que restrinja os governadores”, argumentou o deputado.