A candidatura de ativistas brasileiros ao Prêmio Sakharov da Eurocâmara parece confirmar que o presidente Jair Bolsonaro é o “malvado favorito” da União Europeia (UE), que tem, no entanto, o pragmatismo como bandeira e um acordo comercial com o Mercosul no horizonte.

Nesta terça-feira (8), a vereadora assassinada Marielle Franco, o líder indígena Raoni e a ambientalista Claudelice Silva dos Santos foram anunciados entre os finalistas do Prêmio Sakharov à liberdade de consciência, assim como o intelectual uigur Ilham Tohti e um grupo de adolescentes quenianas.

“É uma maneira de denunciar a situação dos direitos humanos e de pressionar o governo de Bolsonaro em sua imagem e prestígio internacional”, disse à AFP Anna Ayuso, pesquisadora sênior do “think tank” CIDOB, com sede em Barcelona, na Espanha.

E, apesar do “desconforto” em alguns países europeus com Bolsonaro, Ayuso descarta uma “ruptura” do bloco com o Brasil, “o maior país da América Latina”, porque “há interesses econômicos de muitos países da UE”. O primeiro deles é o acordo com o Mercosul.

Após 20 anos de negociação, a UE e os países do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – alcançaram em junho um acordo de livre-comércio, que pode se tornar um dos mais importantes do mundo com um mercado de 770 milhões de pessoas em ambos os lados do Atlântico.

O anúncio do acordo, que agora se submete a uma revisão legal antes de sua assinatura final prevista pela UE para o fim de 2020, veio precedido e acompanhado da preocupação em alguns países do bloco europeu – como França e Irlanda – com o impacto na agricultura e no meio ambiente.

As críticas aumentaram em agosto, com ameaças de Paris e de Dublin de não assinarem o pacto, por conta dos incêndios na Amazônia. Na cúpula do G7, na França, o presidente anfitrião, Emmanuel Macron, chegou a acusar Bolsonaro de ter “mentido” sobre seus compromissos ambientais.

O presidente brasileiro deu a resposta em setembro passado, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, defendendo a soberania do país sobre a Amazônia. Também criticou a ingerência dos governos estrangeiros e as “mentiras” da imprensa.

– Mais um ‘malvado favorito’ –

Para Gaspard Estrada, especialista em América Latina no instituto Sciences Po em Paris, a questão da “política doméstica” pesa tanto para o presidente francês, quanto para o brasileiro, que, “desde o início de seu governo está falando para sua base eleitoral”.

“Bolsonaro construiu uma imagem no mundo (…) que contribuiu para fazer dele o malvado favorito, além de [Donald] Trump” [atual presidente dos EUA], inclusive por fazer referências à “ditadura” e ao “comunismo”, explica o pesquisador.

A defesa das candidaturas aos Prêmios Sakharov vai nessa direção.

Bolsonaro “ignora a realidade (…) Nós temos que defender a Amazônia de uma pressão desmedida, temos também que defender as populações locais”, afirmou em 30 de setembro, durante a defesa da candidatura, a eurodeputada Marisa Matías.

“Os casais do mesmo sexo podem ter direito a se casar e a adotar filhos, mas não é suficiente para proteger a comunidade contra a crescente violência, às vezes até tolerada por figuras públicas, como o próprio presidente”, disse a eurodeputada Verde Hannah Neumann.

Sobre Macron, Estrada considera que o chefe de Estado francês busca “capitalizar” a oposição ao brasileiro como “líder de uma coalizão anti-Bolsonaro” e “líder da defesa do meio ambiente”, embora “também tenha razões pessoais, porque atacou sua mulher”.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que Brigitte Macron é “feia de verdade”, ao defender Bolsonaro, que riu de um comentário on-line criticando a primeira-dama da França. O governo francês denunciou um “concurso de insultos” por parte das autoridades brasileiras.

“Bolsonaro não mudou e não vai mudar”, acrescentou o analista da Sciences Po, para quem seus ataques à agenda mundial sobre minorias, direitos humanos e meio ambiente provocaram a reação da “sociedade civil organizada na Europa”.