O bom desempenho das ações de commodities e siderurgia colocou o Ibovespa em campo positivo a partir do meio da tarde, descolando a B3 do dia ruim no exterior, ainda refletindo a decepção pós-Fed. Assim, com o suporte proporcionado por Petrobras (PN +1,93% e ON +2,23%, esta na máxima do dia no fechamento) e Vale ON (+1,82%), bem como siderúrgicas (Usiminas +5,15% e CSN +2,58%), o Ibovespa encerrou em alta de 0,42%, aos 100.097,83 pontos, quase recuperando a perda de 0,62% do dia anterior, que havia sucedido uma terça virtualmente estável (+0,02%) e uma abertura de semana em alta (+1,94%).

Na semana, o índice avança agora 1,76% e, no mês, 0,73% – as perdas no ano estão em 13,44%. O giro financeiro totalizou R$ 21,9 bilhões, enfraquecido como no dia anterior.

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O fiel da balança na sessão acabou sendo o que parcela dos participantes do mercado considera uma faca de dois gumes para a B3: o enorme peso de alguns setores, como commodities e bancos, na composição do índice. Em 2010, quando ainda se vivia o boom das commodities, a participação do Brasil no índice MSCI para mercados emergentes chegou a ser de 15%, e hoje é de apenas 5%, observa Roberto Attuch, CEO da Omininvest.

“China, Coreia e Taiwan respondem hoje por 65% do índice de emergentes, e nele, 50% da composição corresponde à tecnologia, especialmente gigantes como Alibaba, Tencent, Samsung, e outras que despontaram mais recentemente de forma interessante, como a Ant Financial”, diz Attuch, acrescentando que os investidores em empresas do segmento costumam aceitar compras de ações com múltiplos mais altos, diferentemente do que é o caso em setores tradicionais, amadurecidos.

“Esta concentração em commodities e bancos tem segurado o Ibovespa, limita o seu potencial”, acrescenta o CEO da Omninvest. Ele defende uma mudança estrutural, que dê espaço maior a empresas e segmentos com potencial de crescimento diferenciado, como o varejo eletrônico. “O problema é que ainda não temos uma gigante de tecnologia. Nossas maiores empresas são da economia tradicional.”

Para Scott Hodgson, gestor de renda variável na Galapagos Capital, embora haja oportunidades na B3 inclusive para estrangeiros, como no setor de construção e sua cadeia de suprimentos, que inclui materiais siderúrgicos, o câmbio, ainda instável e depreciado, é um fator a ser considerado. “É preciso que se estabilize mais o câmbio. O Ibovespa chegou a testar a faixa de 105-106 mil, mas tem se mantido nos 99-100 mil pontos, o que reflete também o grande peso dos bancos no índice”, observa. Em 2020, considerando as ações das maiores instituições financeiras que compõem a carteira Ibovespa, as perdas acumuladas variam entre 33,90% (Itaú PN) e 40,11% (Unit Santander).

Nesta quinta-feira, o desempenho do segmento foi majoritariamente positivo no fechamento, com variações modestas em ambas as direções (Bradesco PN +0,24% e Unit Santander -0,60%), ainda sem sinais de recuperação consistente.

De forma geral, o enfraquecimento do dólar favoreceria uma migração de recursos para os emergentes, observa Hodgson, o que pode se materializar após a eleição de novembro nos EUA, com a superação deste grande fator de incerteza que prevalecerá nas próximas semanas. “Trump é um defensor do dólar forte e, apesar de os democratas serem mais identificados ao protecionismo – característica de toda forma partilhada por Trump, um republicano -, a disposição de Biden em relação aos emergentes tende a ser melhor, inclusive com relação à China”, diz Hodgson.

Além da definição sobre quem será o próximo presidente americano, outro fator que pode contribuir para um rali de fim de ano, nos EUA e também nos emergentes, é a possibilidade de surgir, entre outubro e novembro, uma vacina contra a covid-19 que esteja disponível ainda no primeiro trimestre de 2021, aponta o gestor. “Um rali de fim de ano criaria, por outro lado, uma dificuldade diferente para o início do próximo: encontrar ações que ainda não estejam esticadas”.

Considerando os ganhos do S&P 500 no ano, ele observa, contudo, que a maior parte do avanço está concentrado em um grupo muito restrito de empresas com elevadíssima capitalização de mercado, como as gigantes de tecnologia, o que favorece uma rotação de carteira, inclusive em direção a emergentes, se o câmbio contribuir para isso.

Nesta quinta-feira, o dia no exterior foi de copo meio vazio. Os mercados globais ainda refletem a decepção ante a falta de novidades na reunião de quarta do Federal Reserve, no momento em que se preparam para um período tendencialmente mais volátil à medida que se aproxima a eleição americana de 3 de novembro, sem novos estímulos fiscais a caminho na maior economia em meio à disputa por hegemonia com a China.

Assim, as perdas se estenderam nesta quinta da Ásia para Europa, EUA e Brasil na primeira metade da sessão, em geral moderadas, embora algo acentuadas em índices mais expostos ao risco, pela precificação atual e pelo grau de integração global, como o tecnológico Nasdaq (-1,27% no fechamento de desta quinta).