Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, investidores em todo o mundo correm para o dólar em momentos de crise. Isso vale também para o Brasil de 2019. A desaceleração da economia e as dificuldades maiores que o esperado para aprovar a reforma da Previdência fizeram evaporar muito do otimismo com a bolsa. Mesmo assim, os especialistas ainda descortinam boas oportunidades no pregão. As queridinhas do momento são as ações de empresas exportadoras, cujas receitas tendem a crescer em momentos de depreciação do real em relação ao dólar. E os prognósticos para a moeda americana vêm mudando. No boletim Focus divulgado na segunda-feira, 22 em que o Banco Central (BC) compila as expectativas de 120 especialistas ligados a instituições financeiras, a projeção para a moeda subiu de R$ 3,70 para R$ 3,75.

Esse cenário favorece alguns setores. Um bom exemplo é o agronegócio, cujo desempenho é menos dependente do sucesso da agenda econômica liberal, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Além da pauta exportadora, os representantes do setor estão na base de sustentação do governo. “Em uma situação de crise, o agronegócio tende a ser um dos setores vitoriosos da economia brasileira”, afirma Vale.

Além da pauta exportadora, o agronegócio está em uma posição privilegiada por formar a base do governo (Crédito:Nelson Almeida / AFP)

Uma das ações mais beneficiadas é a Suzano. A fabricante de papel e celulose se fortaleceu após a aquisição da Fibria no ano passado, quando suas ações avançaram 104,7%. Em 2019, o movimento prossegue, com valorização de quase 9% até a terça-feira 23. Apesar da forte alta, os analistas acreditam que os papéis podem ter mais um pouco de fôlego. Segundo Marcos Assumpção, chefe de pesquisa de renda variável no Itaú BBA. o papel pode chegar a R$ 53, com um potencial de alta de quase 30%. “O PIB crescer 1% ou 2% faz pouca diferença para setores como celulose ou mineração, que dependem mais da economia chinesa do que da brasileira”, diz Assumpção, que aponta ainda Embraer e Vale como outras duas ações que ganham com a alta do dólar.

Já segmentos mais cíclicos, como o varejo e a construção civil dependem muito mais de um aquecimento da economia. Por isso, devem ser os mais prejudicados pela frustração da retomada. “Para ter bom desempenho em bolsa, esses setores precisam de uma recuperação do mercado de trabalho e de um aumento na renda, o que não haverá se o crescimento econômico continuar fraco”, diz Vale, da MB.

OTIMISMO EM QUEDA Nas últimas semanas os economistas começaram a revisar para baixo suas estimativas de crescimento para 2019. Na segunda semana de abril, o Itaú Unibanco reduziu sua projeção para 1,3%, ante os 2% anteriores. A MB, um pouco mais otimista, baixou a estimativa de 2% para 1,5%; e o Bradesco, de 2,4% para 1,9%.

Embraer está entre as empresas cujas ações podem se beneficiar
da valorização do dólar (Crédito:Ana Paula Paiva)

Apesar da mudança, o Itaú BBA não revisou sua estimativa para a bolsa, que segue em 117 mil pontos para dezembro. “Quando há uma perspectiva menor de crescimento do PIB, as companhias da bolsa também deveriam ter um crescimento menor. Eventualmente isso acaba impactando o próprio preço da bolsa”, afirma Assumpção. Nesse caso mais recente, no entanto, explica o especialista, o banco ainda acredita na aprovação da reforma da previdência, no terceiro trimestre, com uma economia entre R$ 500 bilhões a R$ 750 bilhões. Confirmada essa expectativa, o Itaú espera que os investidores, entusiasmados, corram em direção às ações, fazendo a bolsa disparar. Em relação aos patamares atuais do Ibovespa, próximo dos 95 mil pontos, a projeção do Itaú BBA embute uma valorização de 23,1% até dezembro. “Claro que existe uma relação entre o PIB e a bolsa, mas ela não é tão direta, de um para um”, afirma Assumpção.

Vale, da MB, tem uma visão diferente. “Pensar no Ibovespa aos 120 mil pontos em 2019 é algo completamente fora de propósito hoje”, diz o economista-chefe da MB. Segundo ele, a depender das concessões do governo na previdência, a previsão do PIB pode cair ainda mais, se aproximando de 1% ou até abaixo. “Uma reforma de R$ 500 bilhões vai significar um governo muito fraco politicamente, que não conseguirá aprovar mais nada”, diz Vale. Assumpção, do Itaú, vai acompanhar com atenção a temporada de divulgação de balanços trimestrais que começa nesta semana. “Se os números vierem muito abaixo do previsto, a tendência é que uma revisão na nossa projeção para a bolsa seja necessária”, diz ele.

Quem também vai acompanhar os resultados do primeiro trimestre com atenção é Jorge Ricca, gestor de renda variável da BB DTVM. O banco não divulga suas estimativas para o PIB, mas revisou o prognóstico para baixo recentemente. Mesmo assim, a gestora continua esperando um crescimento de 38% no lucro das companhias de capital aberto em 2019. “Esse cálculo leva em consideração o fluxo de caixa futuro das empresas dos próximos anos e o ambiente global, que no momento é favorável para os países emergentes”, afirma Ricca. Por isso, diz o especialista, o impacto da revisão do PIB de um único ano, desde que não seja muito drástica, pode ser irrisório para as vendas de grandes empresas no longo prazo.