A gritaria das ordens de compra e venda na Bolsa de Mercadorias & Futuros subiu vários decibéis nos últimos tempos. Os operadores da BM&F nunca fecharam tantos negócios. Em média, são mais de 700 mil contratos por dia ? 300 mil a mais do que no ano passado. E não se trata de um negócio qualquer. No meio desse agito, são feitas apostas em dois ingredientes básicos da economia, os juros e o dólar ? sem contar a cotação do boi, da soja e do café. Neste início
de ano, o movimento explodiu. O giro de recursos foi tão
grande que a direção da Bolsa resolveu devolver parte
de sua comissão ao mercado financeiro.

 

No ano passado, os operadores negociaram a cada dia contratos no valor de US$ 18 bilhões ? só uma pequena parte desse dinheiro muda de mãos. Nos três primeiros meses de 2004, o valor saltou para US$ 25 bilhões. Nesse período, a BM&F lucrou R$ 15 milhões, cinco vezes mais do que no ano passado inteiro. Como a Bolsa não tem fins lucrativos, os ganhos em excesso serão devolvidos com abatimentos nas comissões (emolumentos), investimentos em tecnologia das corretoras e num acerto contábil para abater os gastos com a reforma do prédio. ?Nos últimos anos, fizemos o caixa que precisávamos?, diz Manoel Félix Cintra Neto, presidente da BM&F. ?Agora nossa preocupação é manter o orçamento no equilíbrio.?

 

A prosperidade da BM&F tem três explicações. Uma delas é geral. No pregão da Bolsa giram as apostas de bancos, seguradoras, fundos de investimento, exportadores e importadores sobre os juros e o dólar. Vestidos com jalecos coloridos, os operadores recebem ordens por telefone para negociar contratos. Para quem quer se proteger, os contratos são seguros contra mudanças nas cotações. Para quem quer especular, são apostas, seja na alta do dólar ou na queda dos juros. No início do ano, o movimento aumentou muito. Quando todos esperavam queda dos juros, o BC pisou no freio. ?Quanto maior a oscilação, maior a busca por proteção?, diz Marcos Souza Barros, da corretora Souza Barros. Além do aumento nos negócios, a BM & F mudou seu sistema de tarifas.

 

Outra razão para a sua prosperi-
dade é mais antiga. Ano a ano, cresce o movimento no salão da praça Antônio Prado, no centro de São Paulo. A BM&F já é o sexto
maior mercado de futuros do mundo. ?Como a economia brasileira é instável, há um campo fértil para
os negócios. Nos EUA, os juros ficam um ano estáveis?, diz Souza Barros. ?A BM&F soube aproveitar essa tendência.? Os bancos sentem segurança para fazer apostas na Bolsa ? até porque são as próprias instituições que controlam a parte da BM&F dedicada aos contratos financeiros. ?A BM&F cresceu tanto graças à sua excelência técnica?, diz Roberto Nishikawa, presidente da corretora do banco Itaú.

Essa confiança no mercado atraiu um novo tipo de investidor. São os fundos independentes, conhecidos como hedge funds. São administra-
dores de recursos como o Gávea, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Na briga pela clientela, os hedge funds oferecem aplicações mais agressivas do que os fundos tradicionais dos bancos. Um dos mercados prediletos para tentar arrancar esses resultados extraordi-
nários são as apostas em juros e dólar na BM&F. ?Os hedge
funds abriram uma nova base de investidores na BM&F?, diz
Nishikawa, da corretora Itaú, que está ampliando sua área
dedicada ao mercado futuro.

Baseada no forte movimento dos contratos de juros e dólar, a BM&F ganhou fôlego para uma expansão extraordinária, seja no mercado brasileiro e internacional. Na semana passada, representantes da Bolsa de Xangai, na China, visitaram o prédio da praça Antônio Prado. Queriam conhecer os sistemas de controle de risco da BM&F. ?Estivemos em Bolsas da Europa e dos EUA?, disse à DINHEIRO Chen Han, diretor da Bolsa de Xangai, que está abrindo um mercado de contratos futuros. ?Mas vamos assinar contrato de transferência de tecnologia com a BM&F porque tem um perfil de país emergente, parecido com o nosso.?

Em maio, a BM&F vai inaugurar escritório em Xangai. Além do contrato de transferência de tecnologia, a BM&F quer parceria com os chineses para dar um salto internacional. Hoje, a Bolsa negocia contratos de produtos agrícolas, mas gira pouco dinheiro. Quase todos os contratos de soja vão para Chicago. ?Como as exportações cresceram muito, vamos fazer parceria com os chineses para fortalecer os contratos agrícolas?, diz Cintra Neto. ?Vamos trazer metade do mercado mundial de contratos de soja para o Brasil.? Se não bastasse a ofensiva financeira, a BM&F preparou um projeto da economia real que lida diretamente com o interesse dos chineses: a abertura de uma ligação para as exportações brasileiras pelo Pacífico.

No front interno, a BM&F também estende suas atividades além do centro de São Paulo. Comprou a Bolsa do Rio de Janeiro. Vai usar sua estrutura para um centro de apoio às exportações e para um novo território: a clearing de ativos é um mercado de compra e venda de títulos da dívida brasileira. Tem um potencial de movimentar bilhões de reais por dia. Há dois anos, a BM&F criou uma clearing de câmbio ? câmara de compensão para negócios de dólar. Já movimenta 90% dos negócios entre bancos. Agora, a BM&F vai criar um banco para suas operações financeiras e uma câmara para moedas de países da América do Sul. Nunca o desenho de ouro branco, esculpido na entrada do prédio, foi tão fiel à prosperidade da Bolsa.

BM&F NA CHINA

Cintra: Planos para pessoas físicas
O presidente da BM&F, Manoel Felix Cintra Neto, tem planos para expandir os negócios no Brasil e no exterior. Ele deu a seguinte entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO ? Por que a BM&F vai devolver parte dos ganhos?
CINTRA NETO ? O volume de negócios atingiu novo patamar.
Como já fizemos caixa, vamos baratear os custos da BM&F.

Qual é o seu interesse na China?
Nosso grande desafio é desenvolver o mercado de contratos agrícolas. Como os chineses importam cada vez mais do Brasil, podemos desenvolver o mercado com eles. Além disso, podemos desenvolver juntos um contrato para o aço.

E no Brasil?
Vamos oferecer contratos para pessoas físicas. Serão contratos no valor de um décimo dos que são negociados hoje na BM&F e poderão ser comprados com facilidade pela internet. Em 30 dias, o sistema estará pronto.