Boeing e Embraer estão, oficialmente, negociando um acordo para unir as operações das duas companhias – e, a julgar pelos recentes acontecimentos, esta união está cada vez mais próxima. As duas empresas afirmam que as tratativas, conduzidas desde o ano passado, ainda não resultaram em nenhum fato concreto. “A Embraer não aceitou e tampouco recebeu proposta da Boeing”, afirmou a empresa brasileira, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula o mercado de capitais no País. O motivo da manifestação está no fato de que começam a vazar as primeiras informações sobre como está se configurando o acordo, que deve envolver a formação de uma nova companhia.

A Embraer já teria aceitado um modelo de parceira, segundo o jornal O Globo. Uma terceira empresa seria criada, englobando as operações comerciais de ambas as fabricantes. Procuradas, Embraer e Boeing negaram a informação. Essa nova companhia, que não inclui as operações militares da Embraer, ficaria sob controle da Boeing, com até 90% de participação. O acordo envolveria, ainda, um investimento de US$ 6 bilhões dos americanos na empresa brasileira. Hoje, o valor de mercado da Embraer é de um pouco menos de US$ 5 bilhões.

As tratativas acontecem em um contexto em que as duas empresas comemoram bons resultados. Em janeiro, a Boeing divulgou que produziu um total de 763 aeronaves em 2017, o maior volume da história da companhia. A expectativa é de que sua receita no ano passado alcance até US$ 98 bilhões. Ao mesmo tempo, a maior fabricante de aviões do mundo anunciou que deve aumentar seus investimentos, graças à reforma tributária aprovada pelo presidente americano Donald Trump, que reduziu a carga tributária para pessoas jurídicas de 35% para 21% – no caso da Boeing, a carga tributária efetiva caiu para 16%. Segundo Dennis Muilenburg, CEO da companhia, esses recursos devem ser utilizados, primordialmente, em projetos de inovação.

Essa é uma boa notícia para a empresa brasileira, que bateu a meta de entregas de aeronaves no ano passado. A Embraer entregou um total de 210 aviões, sendo 101 jatos comerciais e 109 jatos executivos. Ao final de dezembro passado, a carteira de pedidos da companhia somava US$ 18,3 bilhões. Mas é no desenvolvimento de novas aeronaves que a brasileira tem mais a ganhar com a parceria. “Embraer e Boeing podem fazer coisas ainda mais grandiosas juntas e gerar muita riqueza para o Brasil”, afirmou Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas, ao programa MOEDA FORTE na TV DINHEIRO. Isso porque suas atuais famílias de jatos já completaram seu ciclo de desenvolvimento e possuem uma boa demanda garantida para o futuro.

Um estudo da Federal Aviation Administration (FAA), entidade que regulamenta o mercado de aviação nos EUA, aponta que praticamente toda a frota de aviões regionais no país será substituída nos próximos 20 anos por jatos com capacidade entre 70 e 90 lugares. “Especialmente da família E2 (da Embraer), a partir de 2020”, diz o documento. Essas aeronaves, mais modernas, substituirão a frota de aviões turboélice e de jatos menores, de até 50 lugares. O que ainda não está claro é se a Boeing, de fato, deixará a área de defesa da Embraer de fora do acordo. Esse parece ser o ponto mais delicado para o governo brasileiro, que tem o poder de vetar o negócio graças a uma “golden share”.

“Nosso problema é que, se o controle passa para um terceiro país, as nossas decisões ficam subordinadas àquele país, por exemplo, ao Congresso americano”, afirmou o ministro da Defesa, Raul Jungmann. “Se o Congresso americano amanhã decidir que não é de seu interesse o desenvolvimento de um reator nuclear ou o ciclo completo nuclear que a Marinha faz, se ele tem o controle da Embraer, isso está rompido.” Ao mesmo tempo, Jungmann disse que o governo “torce” para que as duas empresas cheguem a um acordo e pediu, em encontro com executivos da Boeing, para que eles sejam “criativos”.

Enquanto a solução não é encontrada, a Embraer segue negociando seus aviões militares. Na semana passada, a empresa anunciou a assinatura de uma carta de intenções para a venda de até seis cargueiros KC-390. O cliente em questão é a SkyTech, uma empresa luso-australiana que fornece serviços para o setor militar – curiosamente, ela opera uma frota de aviões da Airbus, maior concorrente da Boeing. Criada há pouco mais de um ano, a SkyTech é fruto de uma parceria entre a portuguesa HiFly e a australiana Adagold Aviation. As duas já operavam conjuntamente em um contrato com as Forças Armadas da Austrália, país que é o maior cliente da sueca Saab, que tem uma parceria com a Embraer no desenvolvimento da versão brasileira do caça Gripen. Nesse mercado, opções de sinergia não faltam. Mas, como diz a sabedoria popular, o diabo mora nos detalhes. Num acordo desse tipo, é preciso cautela e paciência.