O burburinho da eleição americana já começou. Em fevereiro tivemos caucus nos estados de Iowa e Nevada, além das primárias de New Hampshire. O complexo processo de escolha dos candidatos à Presidência nos EUA segue agora para a Carolina do Sul, e depois para a data apelidada de Super Tuesday, a ‘super terça-feira’, quando se realizam as eleições primárias nos estados de Alabama, Arkansas, Califórnia, Colorado, Maine, Massachusetts, Minnesota, North Carolina, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont e Virginia.

Em relação aos republicanos, nenhuma novidade. Afinal, o candidato já está definido há quatro anos: Donald Trump, obviamente, vai disputar a reeleição. Já do lado democrata, a coisa está complicada. Desde a derrota de Hillary Clinton na eleição de 2016, o partido segue em busca de uma nova identidade e liderança. A peneira do próprio sistema já tratou de eliminar a maioria dos mais de 25 candidatos que iniciaram campanha no ano passado. Neste momento, a candidatura do ex-vice-presidente de Obama, Joe Biden, e da senadora por Massachusetts, Elizabeth Warren, aparentemente se tornaram inviáveis. Representando uma ala bastante à esquerda de Barack Obama e Clinton, está o senador Bernie Sanders, do estado de Vermont. Mais ao centro, mas ainda distante (por enquanto) de Obama e Clinton, estão o ex-prefeito da cidade de South Bend no estado da Indiana, Pete Buttigieg, e a senadora Amy Klobuchar, do estado de Minnesota. No entanto, um último pré-candidato democrata surgiu há pouco tempo e corre por fora, embaralhando o processo com milhões de dólares do próprio bolso: o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.

Aristóteles dizia que “impossibilidades prováveis são preferíveis a possibilidades improváveis”. A olhos de hoje, me parece improvável – apesar de possível, já que Sanders foi vitorioso no caucus de Nevada por ampla margem – que o partido democrata escolha como o candidato capaz de enfrentar Donald Trump: um senador socialista de 78 anos; um ex-prefeito sem nenhuma outra experiência administrativa (apesar de formado em Harvard, de ser extremamente articulado e de ter servido como marine no Afeganistão); ou uma senadora do meio oeste americano. Todos eles têm seus méritos, mas Trump é o adversário mais difícil para os democratas desde Richard Nixon. Acredito que muito provavelmente a máquina do partido vai se mobilizar em peso para nomear Mike Bloomberg. Uma chapa BB, Bloomberg/Buttigieg, deveria dar muito trabalho a Trump.

Bloomberg, por seu lado, não dá a mínima para os outros candidatos democratas. Sua briga é com Trump. Ele já se posiciona como candidato à Presidência. Pelo Twitter, a coisa anda quente: as provocações diárias tanto de um lado quanto de outro já estão dominando o espectro político. Trump chama Bloomberg de mini-Mike (em alusão à baixa estatura do prefeito, que nem é tão baixo assim). Bloomberg responde que Trump é conhecido em Nova York por ser um palhaço de carnaval, daqueles que latem e não mordem, e por aí vai. Os apresentadores de talk-shows terão material de sobra pelos próximos meses.

Donald Trump tem, na economia, pontos muito positivos para mostrar: a menor taxa de desemprego dos últimos 50 anos, especialmente entre as comunidades negra e latina; bolsas americanas batendo recorde atrás de recorde desde que ele foi eleito; os salários começando a subir, mesmo que timidamente; inflação controlada, abaixo de 2%; economia crescendo ao ritmo de 2%, etc. Todos esses pontos são sensíveis para a população. O ponto negativo: está acumulando um déficit fiscal de trilhões de dólares. Só que isso a população não sente – pelo menos por enquanto. Fora da economia? Nada.

A eleição de Trump, a meu ver, reduz incertezas em relação à condução da economia nos próximos anos. Se ele vencer, será mais do mesmo – e o mercado gosta da redução de incertezas. O outro lado da moeda é que as políticas que vêm sendo adotadas hoje têm limite, e a conta do déficit fiscal vai ter que fechar em algum momento. Com crescimento? Minha impressão é que não. Salários subindo com a economia crescendo somente 2% me sugerem que o PIB potencial americano é menor do que 2%. Se esse é o caso, parece que estamos gastando mais munição fiscal do que podemos recuperar lá na frente. Ou seja, a conquista é menor do que o custo que se incorre para obtê-la. A reeleição de Trump é positiva no curto prazo, mas poderá ser bastante negativa no médio e longo prazo.

E quanto a Bloomberg? Não há dúvida de que foi um bom prefeito de Nova York. Cumpriu três mandatos seguidos e dirigiu a cidade com seriedade logo após ela ter sido atingida por uma das maiores tragédias americanas. Sua empresa, a Bloomberg LP, é a maior provedora mundial de informações para o mercado financeiro. Por ser uma companhia fechada, seu valor de mercado não é transparente, mas qualquer empresa que depende de seus serviços sabe a fortuna que paga por cada terminal. Eu sei.

Segundo a revista Forbes, Mike Bloomberg tem uma fortuna estimada em US$ 62 bilhões. Gestor competente, é reconhecido por formar times de alta performance. Vivi em Nova York sob a gestão de Bloomberg: nada a reclamar, muito pelo contrário. Ao custo de impostos escorchantes, é bom mencionar.

Bloomberg transforma uma disputa que já estava praticamente ganha por Trump em algo que vai trazer emoção durante os próximos meses. Entretanto, uma escolha entre Donald Trump e Mike Bloomberg é como escolher entre sorvete de chocolate ou torta de morango. Os dois são diferentes, mas são doces. Com o devido respeito a seus admiradores, são muito diferentes do “quiabo” Bernie Sanders e seu Medicare for All: uma proposta que destrói a indústria de seguros de saúde privados além de custar a bagatela de US$ 30 trilhões (se não mais) ao longo de uma década.

Como value investor, prefiro torta de morango a sorvete de chocolate. Mas, na falta de torta de morango, sorvete de chocolate ganha disparado de quiabo. E acho que muita gente concorda comigo.