Do alto de uma ladeira, uma casa centenária é uma das raras testemunhas remanescentes do início da urbanização da zona oeste paulistana. A residência resistiu ao tempo, mas não sem passar por degradação e ser até alvo de boatos de ser mal-assombrada. A situação, porém, passou a mudar a partir dos anos 1.990, graças à “guardiã”, que lhe trouxe um novo nome: Casa Amarela da Vila Romana.

O espaço hoje está recuperado e preservado. A arquitetura originalmente simples, com fachada neoclássica, é um dos motivos para que seja visto como uma joia do bairro, e da cidade. O reconhecimento não é apenas popular, mas também oficial, com o tombamento aprovado na última segunda-feira (22).

Na decisão, o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico (Conpresp) destacou o caráter “cultural, artístico e, em especial, afetivo” da casa para a população. A fim de garantir a visibilidade do imóvel, o terreno vizinho não poderá ter construções com altura acima de cinco metros.

Erguido num sítio do imigrante italiano Angelo de Bortoli, para ser uma residência de aluguel para conterrâneos, o imóvel data de 1.921. Ele foi passado de geração a geração até chegar à “guardiã”, a artista Janice de Piero, de 63 anos, bisneta do primeiro dono.

SEM MUROS. Ao se casar, Janice se mudou para o endereço, onde há duas residências, iniciando uma série de reformas paulatinas, com o trabalho braçal de parentes. O imóvel principal tem a fachada frontal amarela, com o topo triangular, com esquadrias de madeira pintadas de verde. A porta de entrada e as janelas são voltadas para a rua. Não há muros.

Dentro, não há corredores entre os três cômodos: sala, quarto e cozinha. Há ainda um banheiro, originalmente externo. “Não tem nada que as casas hoje em dia têm, com grades, proteções. É de um outro tempo. Eu mesmo, quando a olho, parece que entro para outra dimensão”, descreve a artista.

A Casa Amarela foi, aos poucos, transformada parcialmente em ateliê. Com o restauro, passou a chamar mais atenção e se tornou referência local para atividades socioculturais, como rodas de conversa, clubes de leitura e exposições. “Todo o mundo queria ver como é, então comecei a abrir para as pessoas”, relata. A verticalização do bairro também contribuiu para o destaque do espaço. “Várias casinhas lindas foram se perdendo. A minha passou a ser valorizada.”

Ao longo dos anos, o local ainda recebeu exposições e projetos artísticos relacionados com a vizinhança. Um deles reuniu, por exemplo, móveis e objetos antigos para dar ideia de como o era a vida no espaço há quase 100 anos. Janice descreve o trabalho como “arte relacional”, por aproximar a trajetória da casa e do bairro, e destaca seu cunho político, por se opor a um desenvolvimento urbano que ignora memória e afeto. “A casa não é só minha, tem a história de todo o mundo, principalmente das pessoas mais velhas do bairro. Não é só para ser bonita. É uma casa de resistência.”

Hoje, na Vila Romana, há outros quatro bens da primeira metade do século passado tombados: a Sociedade Beneficente União Fraterna, o conjunto da Igreja São João Maria Vianney (templo católico e sobrados geminados), a antiga Fábrica Companhia Melhoramentos e o conjunto de seis casarios da Rua Coriolano.

TOMBAMENTO.Foi neste contexto que Janice pediu o tombamento da casa, em 2017, acatado na última segunda após estudos do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Prefeitura, e aval do Conpresp. O pedido não enfrentou tantas dificuldades, pois ela já tinha um acervo de fotos e documentos sobre o espaço, incluindo um livro de quase 50 anos, escrito por um tio-avô.

Do “bisnono”, como diz, ela sabe que chegou ao Brasil no fim do século 19, aos 18 anos, sem dinheiro, analfabeto e às próprias custas, sem passar pela imigração ou pela antiga hospedaria do Brás. “Olha que corajoso”, orgulha-se. Hoje, ela considera a casa a sua maior obra enquanto artista, arte-educadora, professora e cidadã. “Essa casa é importante para minha vida. E para a cidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.