02/03/2001 - 7:00
É como se William Rhodes, do Citibank, passasse a alertar sobre os efeitos daninhos da concentração bancária. Ou se Rupert Murdoch, da Fox, denunciasse os riscos da massificação cultural pela televisão. Quando Bill Joy, um dos fundadores da Sun Microsystems, lançou-se numa campanha contra tecnologias que considera apocalípticas, todo mundo estranhou. Afinal, o homem é um dos pioneiros da Internet, com responsabilidade direta pela criação da linguagem Java, um dos pilares da rede como ela é hoje. Não é o tipo de pessoa de quem se espera desconfiança em relação à ciência. Pois Joy começou a dizer que a evolução vertiginosa dos computadores, aliada às descobertas na engenharia genética, está criando a possibilidade de produzir formas de vida letais para a humanidade ? e que é necessário impedir que isso aconteça, ainda que através da renúncia a certas áreas de pesquisa. O cientista-chefe da Sun também jura que o mundo está caminhando para a construção de robôs capazes de pensar e se replicar, e que ninguém está discutindo as implicações dessa aventura. Seu alerta foi publicado na vanguardeira revista Wired, em abril passado, com o título dramático de ?O futuro não precisa de nós?. Tornou-se desde então o grande assunto na Internet.
Aos 46 anos, Joy não é um sujeito muito convencional, como, aliás, deixam claro os sapatões que ele está usando na foto ao lado. No início do mês passado, durante a reunião do Fórum Econômico Mundial de Davos, ele apareceu vestindo calça e colete de couro avermelhados, e foi o centro das atenções nos debates sobre ciência. Enquanto as pessoas falavam, fechava os olhos, esticava as pernas enormes e ficava dando nós nos cabelos. Aliás, o corte recente de roqueiro-grisalho lhe confere o toque definitivo de Dom Quixote digital. Casado e pai de dois filhos, Joy vive no Colorado, um dos Estados mais ecologicamente corretos da federação americana. Até a publicação do manifesto, era apenas outro tecnobilionário da Internet. Agora, converteu-se numa celebridade, ridicularizado por alguns e tratado por outros como visionário. Os cientistas esnobaram os argumentos de Joy como ?amadorísticos? e a turma dele, no Vale do Silício, deu de ombros. Mas muita gente acha que seu pessimismo é uma contribuição corajosa à ética científica.
O manifesto que produziu tanta fama é fraco: mais alarmista do que consistente, mais impressionista do que informativo. Parece ter sido escrito por alguém que leu meia dúzia de livros, metade deles de ficção científica. Joy fala de coisas como a robotização de seres humanos e a transferência do trabalho para máquinas auto-replicáveis, como se o futuro fosse um livro de Isaac Asimov. A dimensão antropológica da sua análise restringe-se à cultura high tech americana e não há no manifesto uma única menção ao mundo econômico além das Montanhas Rochosas. Quando escreveu seu Manifesto Comunista, em 1848, Marx era o maior estudioso vivo do capitalismo. Joy admite não ser especialista em nenhuma das três disciplinas que quer banir: engenharia genética, nanotecnologia e robótica. Ninguém duvida que ele é um cara legal e que suas intenções são as melhores, mas não há gente qualificada que o leve a sério. Por ora.
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