Sabe a diferença entre James Bond e Jeff Bezos? Bezos é real. Na quarta-feira (26), a empresa que fundou e preside (até o começo do próximo semestre) comprou por US$ 8,45 bilhões o emblemático estúdio MGM – aquele em que um leão aparece rugindo na abertura dos filmes –, fundado em 1924 e dono de produções consagradas de cinema, como 007 e Rocky. Foi a segunda maior aquisição da história da companhia, depois da compra da varejista Whole Foods por US$ 13,7 bilhões, e corresponde a míseros quatro dias de faturamento da big tech criada em 1997. O movimento, no entanto, não deve ser lido somente de forma monetarista. Ele embute um forte simbolismo, já que aponta para onde segue o entretenimento e o consumo de massa. Por isso não foi coincidência – nunca é –o anúncio da compra ter sido feito na quarta-feira, dia da reunião anual dos acionistas da Amazon. Jeff Bezos aproveitou o encontro para falar da aquisição. Ele disse que a MGM “tem um catálogo imenso de produções muito amadas”. São pelos menos 4 mil filmes, além de séries. “Podemos reimaginar e desenvolver essa propriedade intelectual para o século 21”, afirmou.

A tradução do que disse é clara: trata-se de um movimento que aponta para a grande batalha da Guerra Cultural deste século. E ele é movido a streaming, da mesma maneira que no século 20 foi movido a pipoca. O que a Amazon fez foi um lance de mestre. Comprou um imenso catálogo com quase 100 anos de história e paralelamente trouxe junto o que se chama de Curva de Aprendizagem – afinal, criar hits como 007, que já renderam US$ 7 bilhões à MGM apenas com bilheteria, não é para qualquer player. Isso coloca uma pressão e tanto no mercado de streaming. Uma semana antes, a gigante telecom AT&T anunciou a fusão de sua Warner com a Discovery, num negócio de US$ 43 bilhões (em dinheiro, ações e transferência de dívida).

Esse segmento, conhecido por SVoD (Streaming Video on Demand), deve movimentar US$ 71 bilhões em 2021, de acordo com o site Statista, e crescer anualmente na casa dos dois dígitos pelo menos até 2025. Na ponta dessa briga de gigantes segue a Netflix, com mais de 207 milhões de assinantes. O serviço da Amazon, num comunicado feito em abril por Bezos, teria 175 milhões. E a peça decisiva para atrair novos conumidores se lastreia em duas frentes: preço e conteúdo. O analista americano Michael Pachter, ouvido pela Bloomberg, resumiu a jogada da Amazon. “Eles não seriam capazes de produzir conteúdo suficiente para chegar perto do Netflix.”

É isso mesmo. Conteúdo de qualidade é o nome do jogo. E ficou explicitado no comunicado oficial da empresa, em que Mike Hopkins, vice-presidente sênior da Prime Video e Amazon Studios, também jogou luz de forma entusiasmada sobre o catálogo do quase centenário estúdio, nascido Metro-Goldwyn-Mayer. “As produções da MGM ganharam coletivamente mais de 180 prêmios Oscar e 100 Emmy”, afirmou. “Esse é o valor financeiro por trás desse negócio.” A aquisição ainda depende de aprovação de órgão reguladores americanos.

RETORNO MILIONÁRIO Os acionistas da companhia são só sorrisos. As ações da empresa fecharam o pregão de sexta-feira (21) em US$ 3.202. Na manhã de quinta-feira (27) eram cotadas a US$ 3.248. Uma elevação aparentemente suave, de 1,4%. Mas em menos de uma semana. E constante. Quando a Amazon fez seu IPO, há 24 anos, o preço de saída foi US$ 18. Como houve três desdobramentos entre 1998 e 1999 (o acionista passa a ter mais papéis, no mesmo valor do investimento inicial) cada ação foi multiplicada por 12. Assim, quem comprou 50 naquele maio de 1997 e as guardou investiu US$ 900. Na quinta-feira (27) elas valiam US$ 2 milhões. O que Jeff Bezos quer fazer com o mundo do streaming (e a carteira de seus acionistas) é como James Bond pediria seu Dry Martini: “Batido, não mexido”.

OS TRÊS MANTRAS DA AMAZON
Na primeira da carta de Jeff Bezos aos acionistas da empresa em 1997, ano em que a empresa fez o IPO

1- Concentração incansável nos.
2- Tomar decisões de investimento ousadas. “Alguns desses investimentos valerão a pena, outros não. Mas teremos aprendido em ambos os casos”.
3- Tomar decisões no longo prazo, em vez de considerações de lucratividade de curto prazo.