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Ao lado de Jean-Luc: Íntimos do poder, ofereciam recepções a toda elite européia

 

Há um verso do poeta francês
Paul Verlaine inscrito nas paredes do escritório da mineira Bethy Lagardère, em Paris. ?Ela não sabia que o inferno é a ausência?, escreveu Verlaine. A dor profunda de uma ausência irreparável corrói a alma de Bethy desde o dia 14 de março, quando ela perdeu seu companheiro de 25 anos: Jean-Luc Lagardère, o maior empresário da França, dono de um grupo com receitas de 17 bilhões de dólares e 45 mil funcionários. O império Lagardère é um colosso global. É o principal acionista individual da fabricante de aviões Airbus, controla a Hachette Filipacchi, maior editora de revistas do mundo, e ainda possui a Matra, empresa que produz mísseis, sistemas aeroespaciais e desenvolveu automóveis em parceria com a Renault. Nos 25 anos em que foi a companheira de Jean-Luc, Bethy lhe deu suporte total. Decorava seus escritórios e, de tempos em tempos, mandava trocar todas as flores de acordo com a estação. E era ela quem organizava as recepções mais concorridas da sociedade parisiense. A última delas foi em homenagem ao chanceler Dominique de Villepin, que se notabilizou pela firmeza de suas posições contra a invasão do Iraque por tropas anglo-americanas. ?É dever da mulher cuidar do cotidiano de seu marido?, dizia Bethy, que se encarregava de todos os detalhes da vida de Jean-Luc. A cada aparição pública, lá estava ela, reluzente, a seu lado. ?Jean-Luc e Bethy, sua cúmplice absoluta, eram pessoas indissociáveis?, disse o escritor Bernard-Henri Levy, amigo íntimo do casal. ?Eram amantes magníficos, solares e de uma graça prolongada, como se o tempo tivesse parado para eles.?

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Em forma: a mineira que conquistou Paris cuida dos negócios no seu escritório e mantém o corpo saudável na sua academia doméstica

 

 

Desde a morte do marido, vítima de uma infecção viral
após uma simples cirurgia nos quadris, Bethy terá de se
ocupar mais dos negócios. Na sucessão do grupo, estabeleceu-se
que Arnaud Lagardère, filho do primeiro casamento de Jean-Luc, presidirá o império, o que deve se confirmar na próxima reunião de acionistas, que ocorrerá no dia 6 de maio. Mas Bethy, que tem ótima relação com Arnaud, também herdou parte da fortuna pessoal de Jean-Luc, num acordo cujos termos são mantidos em segredo. Além disso, ela possui, a título pessoal, uma grande quantidade de ações das empresas do grupo.

Jean-Luc deixou suas empresas num dos momentos mais desafiadores da história do império Lagardère. No ano passado, o grupo sofreu um prejuízo de US$ 315 milhões. A produção de automóveis pela Matra também foi interrompida ? o último grande sucesso da divisão automobilística havia sido o desenvolvimento do modelo Renault Espace, uma grande van que antecedeu ao lançamento do Renault Scénic. No entanto, em outras atividades, há muitos números positivos. A Airbus prevê que, em 2003, pela primeira vez na história, entregará mais aviões do que a rival Boeing. No primeiro trimestre, a empresa americana manteve a dianteira com apenas seis aeronaves de diferença. Na área de mídia, a Hachette, que já edita o principal semanário francês, o Paris-Match, e a maior revista de automóveis do mundo, a Car and Driver, além de outros 220 títulos, absorveu todas as atividades editoriais do grupo Vivendi Universal. Essa fusão, de US$ 1,25 bilhão, fez com que a empresa de Betty herdasse dois importantes negócios no Brasil: as editoras Ática e Scipione. Além disso, vieram junto as principais marcas de edição de livros na França, como Larousse, Bordas, Robert e Julliard.

 

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Acordo secreto: Termos da herança são sigilosos

Poucos casais freqüentaram tanto o jet-set europeu quanto Jean-Luc e Bethy. Apaixonados por cavalos, viveram um momento de glória em 1998, quando o cavalo Sagamix, uma das jóias do casal, venceu o Grande Prêmio Arco do Triunfo, o mais importante derby da Europa. Nos verões, usavam seus iates nas viagens pelas costas turcas do Mediterrâneo. Estrelas do cinema, como Alain Delon e Jean-Paul Belmondo, freqüentavam as mansões dos Lagardère, como a da fazenda de cavalos em Ouilly, na Normandia. Jean-Luc e Bethy eram também íntimos do poder. Uma de suas melhores amigas é Bernadette Chirac, mulher do presidente francês Jacques Chirac. Outra é Danielle Mitterrand, viúva de François Mitterrand. Antes da morte de Jean-Luc, os dois estiveram juntos com Vladimir Putin, o presidente russo. Pela própria natureza dos negócios do grupo Lagardère, envolvido na produção de armamentos e equipamentos de defesa, era natural que os dois freqüentassem o círculo dos poderosos. Não há um nome importante da política francesa, seja o de Valery Giscard D?Estaing, Georges Pompidou ou mesmo Charles de Gaulle, que não tenha sido recebido pelos Lagardère. E um dos acionistas do grupo é ninguém menos que o ex-líder iraquiano Saddam Hussein, que possui uma participação de 8,4% na Hachette, avaliada em US$ 90 milhões. São ativos que, desde a ofensiva americana contra o Iraque, estão congelados.

Elizabeth Pimenta Lucas, nascida em Belo Horizonte, chegou a Paris no início dos anos 70, quando se tornou Bethy. Ela, filha do gerente dos restaurantes do tradicional Minas Tênis Clube, logo se tornou uma das mais conhecidas modelos brasileiras. No circuito parisiense, conquistou tanta fama quanto a que desfruta hoje a gaúcha Gisele Bündchen. Betty, com traços 100% brasileiros, era a favorita do estilista Ungaro, o mais requisitado da época. Em 1977, conheceu nos desfiles Jean-Luc Lagardère, que, por meio da Hachette, edita algumas das maiores revistas femininas do mundo, como a Elle e a Marie Claire. Desde então, viveu um conto de fadas. O próprio ex-todo-poderoso da Fiat, Gianni Agnelli, que era amigo íntimo de Jean-Luc Lagardère, vivia lhe dizendo que parasse de trabalhar. ?Você já tem muito dinheiro e uma mulher esplendorosa?, dizia Agnelli. ?O que mais você quer da vida??

Agora, sem Jean-Luc à frente dos negócios, Bethy terá de superar o luto e a dor da ausência para acompanhar de perto o dia-a-dia de um dos maiores impérios empresariais do mundo.